Por Elaisa, Wendell Guilherme e Ludy Lins
Trazendo mais um trecho do episódio do PODésTUdo circense com o Grupo Teatro Kabana, disponível na plataforma spotify, Lira Xavier fala um pouco sobre sua trajetória de vida e quais foram seus passos para na construção do fotolivro produzido por ela em referência aos 10 anos de Oficina de Circo do Festival de Inverno da UFMG.
Elaisa: Lira, compartilha um pouco com a gente como o Grupo Teatro Kabana atravessa suas vivências como produtora de conhecimento, como professora e artista.
Lira: Eu tinha 4 anos de idade na primeira Oficina de circo do Festival de Inverno e, como filha dos dois (Mauro Xavier e Nélida Prado), eu ia junto. Afinal, iriam deixar o filho com quem? (Risos) Eu acabava participando do festival e ali entrava nas oficinas. Então desde os quatro anos eu fiz parte desse ambiente circense e teatral. Participei de várias oficinas de circo no Festival de Inverno, este festival super concorrido, com lista de espera, né pai? Porque as pessoas queriam participar daquelas oficinas a qualquer custo. Na verdade foi um prazer estar ali desde nova, aprendendo não só o circo, mas o trabalho em equipe, o lanche, o bandejão... Eram férias maravilhosas! Mas aos 15 anos eu tive que fazer a opção entre o esporte, o teatro e o circo, onde acabei optando pelo esporte e fui jogar vôlei. Sou ex-atleta de voleibol pela seleção brasileira, mas o circo nunca saiu do sangue, da veia, da vida!
Elaisa: Só fazendo um pequeno comentário: o circo pode ter servido de trampolim para o vôlei na sua trajetória como atleta, como artista…
Lira: Sim. Eu e Maria Clara conversamos muito sobre isso: como o esporte e o circo têm muito a ver, eles se abraçam em várias faces. Eu joguei voleibol durante muitos anos e sempre levei um pouco do circo para as quadras, o que pode até parecer engraçado. Fui para os Estados Unidos onde me formei como educadora física. Lá, e quando voltei para o Brasil, dei aula de circo para crianças adolescentes. Então, o circo e o esporte fazem parte da minha vida desde muito tempo.
Maria Clara: Fale da diferença dessa vivência sua no circo, via esporte, via educação física, desse circo no lugar do corpo como cultura, o circo no lugar da arte, como possibilitador e também de como que era lá nos Estados Unidos. Você quem cavou o lugar do circo ou circo já existia lá? Que lugar é esse do circo dentro das instituições, que seja do movimento, da cultura ou da arte? Como que se faz pesquisa?
Lira: O que eu posso falar desses cinco anos de formação nos Estados Unidos como educadora física, é que senti o circo ocupando um lugar totalmente de movimento dentro do esporte, totalmente dentro da cinesiologia, dentro do estudo do movimento. Com certeza eu cavei esse espaço porque ele não existia. E foi um espaço diferente, em que as pessoas, inclusive, passaram a enxergar o circo de outra maneira. Numa cultura americana fria, tão quadrada como eles são, dificilmente você vai encontrar uma instituição de lá em que se ache essa opção “vamos estudar circo”. Fico feliz de ter cavado esse espaço, de ter aberto os olhos de muita gente lá, para esse”mix” que a gente falou, do esporte e do movimento. Eu dava aula de circo para as crianças dentro da faculdade como monitoria e,então, no contraturno, passou a ter aulas de circo. Meu pai enviou daqui do Brasil pernas-de-pau, malabares, tecido, corda bamba, várias ferramentas para que eu conseguisse introduzir o circo com aquelas crianças. Então, foi diferente, foi realmente algo para além do esporte, além do movimento, mostrando que ali também pode existir uma arte, uma cultura e que a gente talvez não conhecesse tanto assim. Aí, a partir disso, uma academia da cidade me contratou para eu dar aula de circo nela - o que também foi uma coisa diferente, pois era a única escola de circo da região.
Maria Clara: E você trabalhava sozinha ou você tinha ajudantes lá? Como era o seu ensino lá?
Lira: Então, Maria, eu trabalhava sozinha. Eles pegavam datas comemorativas e me punham como se fosse uma mini oficina para aqueles alunos e a gente se apresentava. Tinha mini esquetes... Para mim foi um grande aprendizado! Uma coisa é ensinar circo em português mas, lá, eu tive que me aprofundar também nas palavras técnicas em inglês circense. Foi desafiador e ao mesmo tempo uma coisa muito bacana! Eu saí nos jornais, nas revistas do estado, da cidade... Quando a gente se classificou para os jogos nacionais em San Diego, a chamada dos jornais era eu no monociclo fazendo malabares! A chamada do Gran Finale de vôlei, ou seja, compraram minha ideia! Foi assim, essa vivência nos Estados Unidos, que possui também um legado circense, existe uma sementinha, pelo menos, naquela universidade, naquela cidade, que eu deixei.
Fotos: Acervo Pessoal
Maria Clara: E um pouco depois na sua trajetória de vida você vem com esse presente, que é o Fotolivro, falando sobre o Festival de Inverno, das Oficinas de Circo entre os anos 1985 e 1995. Esse Fotolivro é pesquisa, é produção de conhecimento e está documentado, fotografado, escrito e impresso, e traz uma perspectiva de pesquisa que não é essa acadêmica. Aqui a gente tem esse projeto, o ésTUdo circo, que é um projeto de dentro da universidade, então ele tem esse viés acadêmico. A pesquisa dentro da universidade tem um formato específico, mais “quadrado”. A gente, sendo artista, quer propor outras formas de se pesquisar, mas ainda é difícil se fazer reconhecer essas formas como pesquisa. A gente da arte tá querendo dizer para universidade: "Olha, o formato não precisa ser só este, todos nós que somos artistas fazemos pesquisa". E você vem e nos dá de presente esse exemplo de como também pode ser feita a pesquisa. Então, eu gostaria que nos apresentasse essa perspectiva, como pesquisadora, e de como se organizou para falar sobre esse Festival de Inverno.
Lira: Para escrever o livro (que saiu no final do ano passado), junto com o Léo Ladeira, a gente escutou relatos de ex-alunos, de professores, monitores, querendo saber como as oficinas impactaram a vida de todo mundo. Então foi um caminho muito bacana, uma imersão mesmo! Com a pesquisa do livro, a gente pode reviver tudo isso. Foi sensacional achar, com o Léo Ladeira, as fotografias, os depoimentos, os jornais... Então, na verdade, a gente sentiu que resgatou toda essa importância das oficinas na vida de todos que se envolveram e pudemos ver o tanto que a UFMG teve essa visão e colocou em prática uma que deu super certo. Então foi sensacional fazer isso! Foi um trabalho louco, mas foi muito gratificante.
Maria Clara: Esmiúça um pouco sobre esse percurso que você fez. Você entrou em contato, você ligou, você fez e-mail, como foi que você fez? Porque isso é importante para a gente saber como se busca a fonte, para certificar que, além do que o Mauro, a Nélida, a Maria Clara e a Lira vivenciaram, como que isso se transforma em material e você promove um livro maravilhoso. Como você fez esse percurso? Com quem você entrou em contato? Como se deu esse caminho de pesquisa? Fale um pouquinho.
Lira: Bom, trabalhando com eles há mais de 10 anos, a gente já tinha arrumado inúmeras fotografias, jornais, arquivos do grupo mesmo, guardados, então a gente sabia...
Maria Clara: Então o acervo pessoal também do Grupo [Kabana] é uma forma de fonte?
Lira: Isso, exatamente.
Mauro: A Myriam também, né Lira?
Lira: Calma, vou chegar lá. No acervo do grupo eu já tinha muita coisa em mãos e aí contatei Myriam Tavares e fui na casa dela, onde ela me forneceu também muitos jornais e fotos da época. Entrei em contato também com a UFMG, conversei com [Fernando] Mencarelli sobre como a gente poderia ter acesso aos jornais e fotos e se eles tinham arquivos daqueles festivais. Então foram essas três fontes. Aí, sentei com o Léo Ladeira - porque ele é uma pessoa que, não só tinha participado de uma parte de tudo, como também é um programador visual de primeira, diferenciado. Aí, peguei isso tudo, e eu e o Léo sentamos para selecionar e entender como a gente ia organizar essa linha do tempo. Demorou dias para essa organização!
Depois que a gente organizou o material impresso, eu e meus pais, o Léo e a Myriam sentamos para entender quem a gente iria contatar, quais alunos foram esses, quais monitores foram esses, como iríamos entrar em contato com fulano e ciclano… Então a rede social e o whatsApp ajudaram nessa hora. Eu falei com 95% das pessoas, com a maioria das pessoas que a gente tinha nos folderes. A gente entrou em contato por e-mail e por WhatsApp, eu me apresentando, entendendo o projeto e se a pessoa gostaria de dar um depoimento, de participar da produção desse livro. Esse foi o primeiro contato. Muitas pessoas responderam e algumas não. Quando elas resolveram participar, eu elaborei três perguntas para facilitar o depoimento dessas pessoas. Teve gente que escreveu muita coisa, teve gente que menos.
A coleta desses depoimentos foi super legal e emocionante. Muito choro! “Meu Deus, não consigo falar. Mas, Lira do céu! Como você lembrou de tudo?” E eu respondia: Não gente, vocês que estão lembrando, vocês que estão contando para gente!” Então é isso que eu tô falando, os momentos de muito tempo atrás, pareciam que foram em julho passado.
Essa pesquisa foi assim, demorou um pouquinho, talvez 7 meses entre o início e o final, e eu alimentava o Léo disso tudo. A gente conseguiu organizar, na cabeça, como seria com os desenhos dele. Uma coisa muito importante que deu um start no Léo, que vou até mostrar uma parte aqui, foi quando Léo disse: “Lira, a Myriam me passou 90% desse material que foi usado nas oficinas. Por que a gente não fotografa os materiais e cola nas páginas, foto e depoimento?” Então Léo teve essa ideia sensacional de usar o próprio material usado nas oficinas para ilustrar o livro, o próprio trapézio, os monociclos, os malabares, as claves…Vocês podem ver o tanto que ficou diferente essas páginas. Então foi uma uma mistura também dos objetos usados.
Elaisa: Por isso chama fotolivro, né?
Lira: Isso, por isso se chama fotolivro. Na verdade seriam só fotos inicialmente, mas aí a gente falou: “ Peraí, tem muita história para gente contar…” Então a gente abriu o livro com uma história, eu falei dos meus anos todos de oficina, os depoimentos de professores e monitores e alunos até o final. Foi realmente uma produção que pode ser interpretada como um resumo desses 10 anos. O fotolivro ficou do jeito que eu e o Léo esperávamos.
Fotos: Marcos Vinícius
Mauro: Eu queria falar sobre o fotolivro: o Zé Adolfo Moura, que faz o prefácio do livro, foi o coordenador da área em que aconteceu as oficinas por muitos anos. Então a gente trouxe também um olhar muito bacana, né Lira?
Lira: Institucional, né?!
Mauro: Muito importante, muito presente no processo do Festival de Inverno.
Nélida: De dentro da universidade.
Lira: Pai, a gente não sabia quem chamar, mas o Zé Adolfo foi fundamental. Foi ele quem esteve à frente ali, na UFMG, todos esses anos.
Mauro: E um detalhe que eu acho legal, é que talvez, a Lira tenha conseguido reunir depoimentos de muitas pessoas que acabaram ao longo de suas vidas caminhando pela cultura, pela arte no teatro, no circo, na música. Então, a gente fica muito feliz de ver que essas experiências contribuíram não só para a formação do espírito, do caráter, mas também muitas vezes para a formação profissional. Então, a gente percebe muito isso quando vê o depoimento das pessoas… muitas pessoas acabaram “caindo” nas artes e muitas pessoas, inclusive, acabaram se profissionalizando como artistas de circo. E isso é muito bacana para nós.
Lira: E a UFMG nos conseguiu o folder de cada ano. Tem a página e um folder/cartaz de cada festival - o que foi legal porque você associa o ano àquele cartaz, o que deu um toque diferente.
Elaisa: Muito bonito esse trabalho! É um denso campo de pesquisa que faz a gente pensar nesse processo de início, de meio, até a finalização desse fotolivro. Lembrando que também somos pesquisadores, professores e professoras, acompanhar essa sua trajetória de pesquisa, por onde vem essas fontes, as referências, as pessoas que você foi atrás, fortalece a gente,dá um direcionamento. Então eu acho massa quando você traz e compartilha com a gente.
Lira: E para quem quiser apreciar e acompanhar a trajetória desses 10 anos de Oficinas de Circo dos Festivais de Inverno da UFMG, o Fotolivro estará disponível no TU ou no formato digital com a produção do o ésTUdo circo! Tenho certeza de que vão gostar!
Lira é educadora física, professora de inglês e coordenadora pedagógica há 12 anos. Trabalha com produção cultural, manipulação de bonecos e iluminação do Grupo Teatro Kabana desde 2010. Em sua academia 4Fit, atuou como instrutora circense, assim como nos EUA, onde residiu por sete anos. Em 2020, junto com o artista Léo Ladeira, elaborou e produziu o FotoLivro “10 anos das Oficinas de Circo dos Festivais de Inverno da UFMG”.
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