Por LUCAS PRADO
A produção foi apresentada a mim na prática dentro do Teatro Universitário da UFMG no ano de 2017, casa onde me formei e pela qual tenho profundo carinho. Naquele ano, nós, alunos do terceiro ano, já sabíamos que nosso espetáculo de formatura contaria com a direção do professor e artista Rogério Lopes. O que nós não sabíamos, na verdade, é que ele proporia uma montagem dupla, isto é, que formaríamos com dois espetáculos cênicos baseados nos textos ‘Os Negros – Uma Clowneria’ do francês Jean Genet e ‘Cerimônia para um negro assassinado’ do espanhol Fernando Arrabal. Essa proposta foi dada a partir do momento em que o diretor observou que metade dos formandos naquele ano eram pessoas negras.
Em 2017, iniciamos os processos de pesquisa, de criação e de desenvolvimento de ambos os espetáculos, em uma imersão que seria realizada o ano inteiro. Tivemos a oportunidade, através de disciplinas e de projetos de ensino dentro do T.U, de protagonizar as funções de uma produção, seja ela técnica ou executiva. A partir daí, começou o meu real interesse por essa área de atuação, tão importante para o trabalho de um ator, que é a produção dentro da área artística.
Como experimentar a produção na prática sem ter tido repertório formal? A produção se aprende bisbilhotando, no melhor sentido da palavra. Resolvi, diante disso, investir a fundo em assimilar o que me era passado pelos profissionais Tereza Bruzzi e Jefferson Góes, que coordenaram juntos uma equipe de alunos interessados em contribuir com seus espetáculos de formatura. Realizamos, dentro da equipe de produção executiva, a escrita do projeto de apresentação de ambos os espetáculos, somando-se ao processo a justificativa, os objetivos gerais e específicos, as etapas de produção e o cronograma.
Tendo o projeto escrito como pontapé inicial, seguimos com os trabalhos de contato com o espaço que seria realizada a temporada dos espetáculos, de assinaturas de contratos, de liberação de direitos autorais de texto e música, de montagem da ficha técnica, da elaboração de plano de comunicação, da finalização de arte gráfica e impressão de programas, do transporte de materiais cênicos para o teatro com checklist, de montagem de cenário e iluminação, da organização de figurinos, da temporada de apresentações, dos acertos de registros audiovisuais, da alimentação de atores e da equipe, desmontagem, acertos de borderôs e devolução do espaço nas mesmas condições de empréstimo. UFA! Muita coisa não é mesmo? E há quem diga que fazemos pouco (risos).
Diante desse panorama apresentado, é quase impossível não citar as reflexões de um trecho da contracapa do livro O Avesso da Cena – Notas sobre Produção e Gestão Cultural, de Romulo Avelar:
[...] “o público que vê um espetáculo no palco não imagina a infinidade de providências que precisam ser tomadas nos bastidores, antes, durante e depois daquele breve período em que o artista está em cena. Aos olhares leigos, a impressão é de que tudo acontece num passe de mágica, de modo quase espontâneo e sem maiores esforços. Entretanto, essa visão romântica se dissipa instantaneamente quando se mergulha no universo das coxias. Ali, a vida real se faz presente com a mesma intensidade de qualquer outro campo profissional. Uma legião de anônimos trabalha arduamente para que tudo esteja pronto e perfeito no momento da abertura das portas ao público” (AVELAR, 2013).
Após a temporada de 16 apresentações na Funarte-MG dos espetáculos intitulados ‘A Cerimônia’ e ‘Os Negros’, nós tivemos a grata satisfação de receber um convite direto para participar da programação do Verão Arte Contemporânea, um festival multicultural importante realizado na cidade de Belo Horizonte anualmente.
Espetáculos "Os Negros" e "A Cerimônia" no VAC -
Fotos [1] Netun Lima, [2] e [3] de Glenio Campregher.
Aí você não imagina a alegria que não cabia no meu peito, em saber que apresentaríamos novamente os dois espetáculos, eu como ator saltitava... E o produtor dentro de mim avistava mais uma oportunidade de colocar em prática o que aprendi valiosamente em meus percursos pelo Teatro Universitário.
Desde então, não paramos mais. Depois desse primeiro convite de reapresentação, difundimos nossos trabalhos para seis cidades, em três diferentes estados brasileiros: Belo Horizonte, Pará de Minas, Patos de Minas, Passos (MG), Rio de Janeiro (RJ) e Blumenau (SC). Contamos com a parceria e a co-produção do projeto de extensão T.U Produção e Memória em 5 festivais de teatro do Brasil, representando o Teatro Universitário da UFMG e a universidade pública que vem sendo duramente atacada e criticada pelo atual governo.
Agora, o teatro presencial se encontra em confinamento até segunda ordem por conta da pandemia COVID-19 e constantemente vem uma pergunta em minha cabeça: como fazer teatro estando em quarentena? Já que o teatro se faz e existe na presença e no contato com o outro? Então, alguns editais de fomento a cultura estão sendo lançados e todos com caráter digital, sendo uma forma de incentivar os artistas a continuarem criando dentro de casa e receberem financeiramente por seus trabalhos. Ainda assim, o número de projetos que abarcam os artistas com verba são poucos viu!? Cadê Regina? Oh, gente! Perplexo! Pois é, Regina apareceu e já saiu!
A arte se faz cada vez mais presente na vida das pessoas que estão confinadas, então reitero a importância dela. Recentemente, estou vendo espetáculos disponibilizados em plataformas online de vídeos, assisto lives e consumo teatro de outra forma...
Mas, sinceramente, como sinto falta da presença viva que ele proporciona.
Enfim, o que nos cabe é sobreviver (sem a pressão da produtividade, é claro!), tirar aqueles projetos da gaveta, fazer uma reunião online aqui e ali e esperar pelo melhor.
Querido diário, fim!
Referências
AVELAR, Romulo. O Avesso da Cena - Notas Sobre Produção e Gestão Cultural. Belo Horizonte: Editora Do Autor, 2013.
Fotografias dos espetáculos A Cerimônia e Os Negros: Glenio Campregher - Disponível em: <https://veraoarte.com.br/2018/galeria/a-cerimonia-e-os-negros/> Acesso em: 2 mai 2020.
Lucas Prado é ator formado pelas escolas de teatro Arena da Cultura (2014) e Teatro Universitário da UFMG (2017). Atualmente está finalizando seu curso de Teatro em bacharel na Escola de Belas Artes da UFMG. Recentemente atuou como ator no espetáculo 'Boca de Ouro' do Grupo Oficcina Multimédia, nos espetáculos 'Absurdos' e 'Sítios' da Nenhuma Cia de Teatro e no espetáculo 'A Cerimônia'. Como produtor executivo já esteve com o espetáculo 'Os Negros' do Coletivo Impossível em alguns festivais de teatro no Brasil.
Desde 2019 é bolsista do Teatro&Cidade na função de produção e manutenção do grupo.
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