Por Diego Balduíno e Ludy Lins
CARTA PARA UM DESTINO INCERTO:
Queridos Peregrinos,
Já perdi as contas de quanto tempo faz que estreamos nosso "Juguetes Peregrinos", mas não perdi na memória a força e o entusiasmos daqueles jovens que, mesmo quando as coisas pareciam perder o rumo, se uniam para novamente encontrá-lo. A dedicação de Helena Mauro, Tarcísio e o apoio de todo o Teatro Universitário. Enfim, todo companheirismo e afeto que predominaram naquele processo de montagem.
Quando me lembrei que também havia me formado naquela mesma escola, quase vinte anos antes, me dei conta que aquele espetáculo resultara não apenas de quatro meses de ensaios, mas de quase seis décadas de Teatro Universitário, que, naquela ocasião, estava prestes a comemorar 60 anos .
Não sei por andam muitos de vocês, mas espero sinceramente que ainda estejam a peregrinar pelo teatro.
Saudades!
Rogério Lopes
120 meses.
524 semanas.
3.673 dias.
Há 10 anos, o Teatro Universitário estreava o espetáculo Juguetes Peregrinos e a carta que abriu esse texto foi escrita pelo professor e diretor do espetáculo Rogério Lopes, aos peregrinos formandes lá em 2011.
Para comemorar 10 anos de Juguetes Peregrinos, nós do Blog Mistura, entrevistamos os atores que formaram com esse espetáculo, e na ocasião, eles nos contaram sobre o processo vivido na época e a vida hoje, 10 anos pós formatura. Embarque conosco nessa!
MISTURA: Nos fale um pouco sobre como foi, para você, o processo de construção do espetáculo Juguetes Peregrinos, os pontos que mais te marcaram no processo.
E hoje? 10 anos depois! Quais caminhos você tem percorrido? Nos conte um pouco da sua história pós formatura.
Aline Raposo
É interessante notar que já tem dez anos que a gente se formou em Teatro com a peça “Juguetes Peregrinos”. O processo de construção do espetáculo foi riquíssimo pra mim, pois na época eu estava me formando em minha graduação de Geografia e aproveitei toda a construção do espetáculo pra também fazer o meu TCC falando sobre a geograficidade no teatro.
Aproveitando da temática da peça que falava de vários lugares com identidades geográficas diferentes. A forma como construímos os espaços geográficos literários e nós transformamos ele num espaço cenográfico e enquanto íamos construindo essas diferentes localidades e diferentes nacionalidades dentro do próprio palco usando os elementos do teatro como a luz, o som e outros aparatos da cenografia.
Então, para mim, o espetáculo “Juguetes Peregrinos” foi muito marcante, porque ele ligou as duas formações que eu estava finalizando na época, que eram o Teatro e a Geografia.
E hoje, dez anos depois, eu vejo que a minha vida profissional está ligada ao teatro, a geografia não mais, nesse meio tempo eu também me formei em licenciatura em Artes Visuais e comecei a dar aula de Arte. Ao longo desse ensino de arte, eu fui buscando inserir o teatro com as linguagens das artes visuais dentro da sala de aula, tentando focar mais no teatro. Ligando essas duas linguagens eu descobri coisas muito interessantes.
Hoje eu tenho trabalhado muito na área da educação, dando aula de Arte e Teatro nas escolas de educação básica e também em uma escola profissionalizante de teatro e eventualmente também tenho atuado, buscando trabalhar com aquilo que eu gosto de falar e atuar, que é a relação da arte com a fé.
Anais Della Croce
Pra mim, o processo de construção do espetáculo “Juguetes Peregrinos”, além de ter sido a primeira experiência envolvendo a construção de um espetáculo teatral numa experiência mais próxima da profissional. Foi uma experiência muito agradável e transformadora, foi o marco de finalização de um processo que foi muito intenso que é fazer um curso profissionalizante, além de ser um espetáculo com um elenco enorme dentro das proporções que a gente encontra, 17 atores.
Eram 17 pessoas as quais eu tinha muita intimidade, muito afeto. Passamos juntos por esse caminho que é o curso técnico profissionalizante em teatro e compartilhar esse sonho que é ser atriz e ator.
Foi um espetáculo que teve uma recepção muito boa pelo publico e na ocasião a gente identificava o motivo por essa boa recepção do público, das boas críticas, enfim, foi um espetáculo de formatura bem interessante e atribuímos isso a nossa coesão. Nossa turma era muito coesa, éramos muito harmoniosos e gostávamos de trabalhar juntos, então, de alguma maneira essa é uma experiência rica, porque depois que passamos por isso, nós vamos para nossa carreira profissional onde isso fica mais escasso de ocorrer, talvez por um contato menor, mas fica mais difícil.
Nesse sentido, o “Juguetes Peregrinos” tem um significado não só como marco profissional ou de encerramento da vida acadêmica, mas que ocupa um lugar de uma memória afetiva. Até por sermos uma turma que dava muito certo junta, gostávamos de estudar e trabalhar juntos, tínhamos uma ótima relação com os professores da escola. Então, acho que fizemos toda a escola se envolver com o processo criativo do teatro, na minha opinião, foi super acertada a escolha do Rogério, ele tinha acabado de entrar na escola e já foi ser o diretor da nossa montagem de formatura. Tivemos uma grata surpresa com ele, ele sempre trazia ideias novas, um palco diferente. Houve uma construção do palco num formato diferente, trazendo uma busca de uma outra experiência do público com aquele formato.
Fizemos uma pesquisa sobre Latinidade foi muito legal, pois foi ela que nos fez trabalhar com os “Doze contos peregrinos” e isso também ajudou com o nosso processo criativo, um mergulho nas nossas latinidades. Usamos muitas músicas em espanhol, latinas da cultura popular, fizemos também uma pesquisa dentro da estética latino-americana e do realismo fantástico, do Garcia Marques. Reunimos várias camadas nas pesquisas que nos contribuiu com um trabalho muito rico.
Em resumo, os pontos que me marcam de todo esse processo são a interatividade dessa turma, predisposição de trabalharem juntos e a predisposição de estarem juntos. Um outro ponto eu acho que foi esse mergulho que fizemos nas latinidades, na literatura latino-americana, nas músicas, nas sonoridades.
Muita coisa mudou dez anos depois, tenho passado por várias fases por vários momentos da vida. Logo depois da formatura eu acabei indo mais para o teatro de performance, um teatro mais político de grupos independentes e isso foi uma parte muito marcante do meu processo com o teatro. Passei um tempo na Universidade Antropófaga em São Paulo com José Celso Martinez no teatro oficina. Foi uma experiência superinteressante.
Fiz também espetáculos maiores, mais “comerciais” com um ar muito diferente do “Juguetes Peregrino” com menos personalidade entre a equipe envolvida. Nesse primeiro momento, meu foco foi mais as experiências com os vários tipos de teatro. Um teatro mais existencial, voltado mais ao feminismo, política etc.
Com o tempo, naturalmente fui fazendo uma certa transição voltando a minha carreira mais para o audiovisual, busquei esse lugar de atuação, no cinema, principalmente, fiz várias coisas, vários cursos e meu interesse foi aumentando cada vez mais. Em determinado momento eu engravidei, tive uma filha que hoje tem já dois anos e isso muda muita coisa. Identifiquei uma necessidade muito grande de desenvolver o meu conhecimento e habilidade dentro da produção para desenvolver outras coisas. Nesse tempo de profissão, eu identifiquei muito a importância de saber, tanto como individualmente, tanto em grupo.
E às vezes, devido a uma falta de conhecimento ou de habilidades específicas de se autoproduzir. E isso é uma parte do problema, por isso quando escrevi o meu projeto, já grávida, pra lei de incentivo, que foi aprovado. Foi um projeto na área audiovisual, produzir uma mostra de cinema. Isso aconteceu num momento que eu estava nessa transição e o tema da mostra foi “Atuação em foco”, então foi uma mostra de cinema que se chama “Cine Cidade” que tinha uma proposta de ser produzida pra exibir mais a proposta e o ponto de vista dos atores, não exatamente da produção do filme. E paralelamente, o meu lado produtor vem crescendo, em grande parte devido a demandas que cresceram durante a pandemia.
Hoje em dia eu estou com vários projetos, formando a minha empresa de produção cultural experimentando a movimentação e realização de projetos que eu participo e vejo uma possibilidade cada vez maior de produzir os meus projetos autorais e como autora eu estou em via da publicação de um livro.
Ana Cecília
Eu entrei para o Teatro Universitário em 2007 e no meio do curso eu engravidei e minha filha nasceu durante o curso, por isso o curso técnico do TU que geralmente é de três anos, para mim foi de cinco anos. Eu comecei a estudar lá no Casarão e me formei com a turma dos “Juguetes Peregrinos” já lá na UFMG. Foi muito importante e especial para mim isso ter acontecido porque, antes de passar para a turma do “Juguetes” eu passei para outra turma e não consegui formar com eles, tranquei e fui formar depois só com os “Juguetes”. Foi uma turma legal, porque tive encontros que eu levo até hoje na vida. Por isso, além de falar dos espetáculos eu gostaria de falar sobre o que esses encontros me trouxeram.
Quando a gente formou, alguns estudantes formaram a companhia “A Peregrina” e essa companhia foi muito legal, porque ela foi a sementinha para o início das “Bacurinhas”, depois ficaram só as mulheres. Começamos com uma cena curta do “Calor na Bacurinha” e várias pessoas passaram por esse coletivo de mulheres, o qual eu faço parte até hoje. Hoje somos só três, mas já fomos um coletivo grande, com várias mulheres e várias delas dessa turma. Por isso eu sou muito feliz com isso, com o adiar do meu curso, porque era para eu ter me formado em 2009, mas me formei em 2011, esse período para mim foi bem importante, esse período de transição de uma coisa pra outra que me deu muitos frutos por ter conhecido essa turma.
Essa pesquisa que a gente fez com o Rogério sobre Mascaramentos, coisa de quase nos transformarmos em bonecos para contarmos esses contos do Garcia Marques. Essa transformação nossa nesses bonecos que contavam essas histórias, foram coisas que marcaram a minha trajetória, porque depois eu fui trabalhar com mascaramentos na Peregrina, na Bacurinhas e agora com os Drag Kings, em que a gente trabalha o Drag Queen a partir da perspectiva do mascaramento corporal.
No mais é isso, eu sou muito feliz por ter encontrado essa turma, até hoje entre produção e atuação a gente continua trabalhando junto. Foi um processo muito importante para mim fazer parte dessa turma e isso foi algo que me ajudou muito na construção de quem sou hoje.
Analy Nágila
Foi tudo muito intenso. Eu admiro muito a minha turma enquanto pessoas, atores, grupo. Então foi algo muito desejado, muito querido.
Começamos a partir do texto “Os dez contos peregrinos” do Gabriel Garcia Marques e a partir de vários jogos e improvisações, decidimos juntos quais seriam os contos que iriamos utilizar. E pra mim, esse momento da dramaturgia que é escolher o que fica e o que sai na construção dos personagens, desses Juguetes nesse universo de brinquedos e realidade do texto do Gabriel.
Claro, tiveram momentos difíceis, conflitos internos, é momento de formar e com muita expectativa pra esse espetáculo, mas para mim, formar com os peregrinos foi uma experiência única e maravilhosa. Nós éramos muito unidos, tínhamos o objetivo muito forte de fazermos algo bonito. Conseguimos nos encontrar nesse espetáculo e fiquei muito feliz com o resultado. Sou muito grata a todos os Peregrinos, foi um processo onde a gente teve um encontro com o Tarcísio, preparador corporal, a Helena que foi fenomenal e fundamental pra construção do meu personagem, das nuances, da voz, da minha corporeidade. Eu fiz a senhora Forbes, uma alemã, foi bacana. O Rogério indicou algumas máscaras para eu me encontrar com essa tal senhora Forbes. Nossa turma é isso: Buscas e Encontros. E acho que a nossa voz, enquanto atores, enquanto pessoas conseguiu ressoar dentro desse espetáculo, e espero, deixando ele bacana para quem assistiu.
Sou muito feliz e grata a todos.
Primeira coisa, que orgulho em falar, depois de dez anos eu continuo firme e forte como atriz e diretora. Estou trabalhando intensamente com arte. Mais uma vez, tenho que agradecer à família Teatro Universitário por toda a minha formação e por ser quem sou hoje.
Eu cursei paralelamente com o TU, Artes Cênicas, e só quem já fez isso sabe a loucura que é fazer os dois cursos ao mesmo tempo, mas foram épocas essenciais da minha vida. Depois que eu finalizei o TU, fui fazer um intercâmbio de Estudos Artísticos em Portugal pela UFMG e consegui receber um auxílio da FUMP. Foram seis meses lá.
Assim que eu me formei em Artes Cênicas, comecei a dar aula no Colégio Marista, e lá pude dirigir várias peças teatrais com crianças e adolescentes. Fazíamos bastantes espetáculos no Teatro Dom Silvério e paralelamente trabalhando com montagens, em diversas vezes com a galera do TU. Tava no início do Grupo Bacurinhas, admiro muito essa mulherada que um monte ali é do TU, trabalhamos juntas no espetáculo Calor na Bucurinha e montagens paralelas.
E desde 2017, moro aqui na Alemanha, fiz um mestrado na Universidade de Hamburgo em Performace Studies que são estudos de performance. Foi um mestrado prático-teórico, num estilo bem diferente do que é no Brasil, mas eu fiquei bem satisfeita com o curso, com essa troca que é o curso em si e essa presença de pessoas de vários países, não só alemães.
Formei no mestrado no ano passado (2020) e agora, eu trabalho enquanto performer, atriz, diretora, dançarina. Tô bem, com uma performance física, num teatro físico, esse tem sido meu foco principal. E graça as Deusas “Bacantes” eu tô conseguindo aqui leis de incentivo a cultura da cidade, do país, tô nessa ralação boa demais.
Sempre a gente (Os Peregrinos) se encontra, porque essa turma ficou pra minha vida, pelo menos uma vez no ano, todo mundo se encontra, nosso Natal Peregrino. Sou muito grata por isso.
Pretendo continuar nessa luta como artista e ir atrás do meu doutorado. Amém?
Brenda Campos
Pra mim, o processo de construção de Juguetes Peregrinos é a conclusão de três anos de TU. Uma oportunidade muito rica de fichas caírem e questões fazerem sentido durante o processo de criação.
O Rogério foi uma pessoa que conseguiu sistematizar tecnicamente em mim a manutenção da energia que eu já conseguia gerar enquanto atriz em cena. O processo das máscaras anterior a isso com o Linares me ensinou a localizar o como meu corpo se transformava pra poder compor determinado personagem, motivado pelas máscaras expressivas. Ele me estimulou não só a gerar, mas a manter essa energia em cena. No processo do Juguetes, o Rogério propôs algumas dinâmicas extremamente psicológicas, que eram caminhos que me agradavam percorrer durante o TU.
Várias vezes eu me incomodei com afirmações dos meus professores de que o caminho psicológico fosse algo rejeitado, como um palavrão. E o Rogério criava situações dinâmicas, que acessam esses caminhos para a construção do personagem e ele me ensinou a não deixar esse psicologismo me engolir e a ter consciência do que eu estava fazendo apesar de acessar essa energia, esse corpo, essa construção por meios psicológicos. Ele falava: “Desmonta!”, “Sai!”, “Volta!”, Ele quebrava uma onda, um fluxo psicológico, ele mandava a gente observar o que estava no nosso corpo que mudava a nossa voz. E depois manda retomar imediatamente sem ter o tempo daquela construção anterior. Tudo isso fez muitos processos anteriores fazerem sentido.
Outra coisa também, é muito legal o que aconteceu nesse processo de construção foi perceber e aprender a confiar na pessoa que tá conduzindo aquele processo. E eu confiava muito no Rogério, no trabalho que ele desenvolvia com uma turma. E compreender que nem sempre a vontade do ator, no meu caso, a vontade da atriz, vai conduzir ao melhor caminho. Eu aprendi a confiar no olhar dessa pessoa que está conduzindo e eu confiava muito no olhar do Rogério, sobre algumas escolhas que o ator faz.
Aconteceu que eu me apaixonei pelo olhar da Maria de la Luz, do conto “Eu só vim telefonar”. Inclusive porque foi nas dinâmicas relacionadas a esse conto que o Rogério experimentou todas essas dinâmicas que eu descrevi. Mas em contrapartida, eu não queria fazer uma personagem idosa. Porque eu vinha de um outro curso de formação que eu fiz antes de entrar para o TU, em que eu fiz três velhas. E nas máscaras, eu fiz uma máscara idosa. E aí eu estava com um receio de fazer novamente uma idosa, eu não queria fazer de novo.
E quando a gente foi experimentar a Maria dos Prazeres, o Rogério solicitou que as mulheres da turma se dividissem entre a Maria dos Prazeres e o cachorro. E só para não fazer uma velha de novo, me disponibilizei a fazer o cachorro.
O caminho que eu percorri, foi do afeto para o mapeamento corporal. Eu tinha uma cachorra que é a Doty, que dormia na mesma cama do que eu, com quem eu tinha um vínculo muito estreito, que eu nunca mais tive com nenhum outro animal. E toda vez eu recorria a ela pra poder fazer essa cena. O cachorro da Maria dos Prazeres se chamava Noi e ela por ser muito só, ensinou ao cachorro o caminho do cemitério e a chorar. Então todo dia ele ia no cemitério para aprender a chorar na lápide dela quando ela morresse. A construção do Noi percorreu exatamente esse caminho, ele foi da via do afeto, pela via do mapeamento corporal para a reprodução de diversas vezes daquela cena daquele estado corporal.
E aí eu fiquei muito feliz ao final do processo das apresentações, quando na avaliação final do curso, o Rogério disse que eu fui uma pessoa que fez todos os dias a mesma cena, mantendo um padrão de interpretação, mantendo um padrão da cena. E conseguindo repetir tecnicamente aquilo que eu me propunha a fazer e todos os dias no espetáculo eu chorava novamente. E o grande barato dessa cena, era dizer para o público que eu aprendi a chorar e a construir esse choro na frente do público.
Como tudo acabou fazendo sentido, tanto que depois, na Insensata Companhia de Teatro, até hoje usamos a memória pessoal como ponto de partida para o processo de criação. O "Juguetes Peregrinos" me ensinou de forma muito incisiva a acessar materiais que são do afeto, psicológicos, estão no lugar da memória pessoal. Entender como essas memórias atravessam e modificam o nosso corpo e mapear tecnicamente para conseguir reproduzir e repetir. Essa condição técnica é indescritível para o meu trabalho como atriz.
Dez anos depois eu estou com a Insensata Companhia de Teatro, que surgiu em 2009, então estamos com doze anos de trajetória. Desde 2014, temos aprofundado a pesquisa no que hoje podemos chamar de Teatro para as Infâncias. Temos dois espetáculos decorrentes dessa pesquisa, o "Memórias de um Quintal” e o “Prutiti, Memórias de Estimação”. A gente também desenvolve em Belo Horizonte o FENAPI, Festival de Arte entre Infâncias. Desenvolvo uma pesquisa de mestrado, onde desenvolvo essa noção de infâncias pluralizadas. Sou mãe de duas crianças, o Francisco com cinco anos e o Caetano com um ano e meio. Sou casada com o Keu, que também formou aí nessa mesma turma e também parceiro de Insensata, de pesquisa e de vida.
Caminho de valorização das infâncias, de confiar no momento de potência, confiar na criança para fluir sensivelmente de um espetáculo. Na valorização da experiência estética da criança do teatro infantil enquanto território de pesquisa.
Chris Geburah
O processo foi maravilhoso, eu não tive problema nenhum.
A nossa turma pegou um processo interno de transformação do TU, então tinha muito professor substituto.
Então no ano anterior, a nossa turma se reuniu para discutirmos o que nós não queríamos. E cada um foi falando o que não queria, um disse que não queria formar fazendo uma peça de teatro infantil, outro não queria formar fazendo cordel. Fizemos uma ata com tudo que não queríamos fazer e guardamos ela conosco. Ainda no mesmo dia, fizemos uma outra reunião com uma ata que foi enviada para a direção do TU falando que queríamos ter a experiência de sermos dirigidos na formatura pelo professor novato que entrasse e nós nem sabíamos que seria ele, pois estávamos ainda no processo de seleção.
Recebemos, então, esse presente que foi o Rogério, e no primeiro dia de aula com ele no ano seguinte, nós levamos essa primeira ata que fizemos e falamos com ele: “Então Rogério, nós fizemos uma reunião no ano passado, nós não queremos formar com nada disso nem disso aqui que está nessa ata.” e ele: “Tá bom, beleza. A turma já chegou o que ela não quer. Mas ok.”.
De qualquer forma, a proposta que ele tinha para a gente não era o “Juguetes Peregrinos”, era um outro texto e ele pediu para que nós lêssemos. Conversamos com ele antes do fim do semestre e ele nos deu um livro para lermos nas férias. Chegando em agosto ele fala: “Aí gente, mudei de ideia, desculpa. O que vocês acham de fazermos esse texto aqui?” que era os “12 Contos Peregrinos”. E foi perfeito.
Tinha outros contos, dos doze contos, a gente não contava todos que chegamos até a testar, contos que adoramos, mas não conseguimos pôr em cena porque nós testamos todos os contos. Por fim fizemos uma seleção daqueles, digamos assim, que renderam mais e criamos o espetáculo “Juguetes Peregrinos”.
Uma outra coisa que nós não queríamos fazer era a “coringagem”, por sermos uma turma muito grande, éramos vinte pessoas e não queríamos repetir papel e isso foi algo que já aconteceu, como por exemplo no espetáculo do ano seguinte do nosso, inclusive a próxima peça que o Rogério. Então, “12 Contos Peregrinos” são várias histórias que a gente conseguiu amarrar de uma forma muito bacana, o Thales e a Aline fizeram essa amarração.
Eu sou muito feliz com esse espetáculo, eu só tenho carinho, só tenho amor por esse espetáculo, a nossa turma era muito aberta, sem jogo de ego, nunca brigamos, somos os vinte, amigos. Por isso fomos uma turma que cedeu muito à proposta. Sabíamos que a partir do momento que não haveria mais "coringagem" e que alguns da sala iriam se destacar mais do que outros, mas isso não era um problema, não ser um protagonista. O Rogério sempre deixou muito claro: “Se você achou o seu personagem, traga o seu material, traz cena...” e foi assim que aconteceu. Isso aconteceu com a Julia, ela queria um personagem e pra isso ela levava cena, levava música e levava trabalho, os demais que às vezes não criaram um desejo por interpretar um personagem antes, não se importaram por fazerem os “que sobraram” e interpretaram com muito amor, com muito carinho.
Foi tudo muito lindo, não só o espetáculo, mas também a turma que era bacana demais, com muito amor, muita escuta de todo mundo pra construção de algo em comum. Tinham cenas muito difíceis que o Rogério ficava dias trabalhando em cima e a gente ficava aflito, mas ainda assim, mantínhamos a calma e íamos passando as outras cenas, tanto que quando o Rogério chegava, com seu toque de mestre, fazia e transformava. Foi muito bom.
Eu, como algumas pessoas do TU, já tínhamos um caminho já trilhado no teatro.
Eu tentei fazer o TU a muito tempo atrás, quando estava no meu segundo grau do ensino médio e queria fazer os dois ao mesmo tempo, mas não passei no TU naquela época, mas continuei seguindo o meu caminho como atriz. Quando eu cheguei lá, já tinha um caminho trilhado, já tinha feito faculdade de artes cênicas, largado e eu trabalho com teatro musical infantil e segui trabalhando com isso.
Hoje eu tenho um trabalho autoral de comédia adulta, que é muito a minha linha. Cada pessoa seguiu um caminho muito específico, pessoas se transformaram muito, pessoas se encontram, pessoas agregaram e isso foi muito interessante. Eu acho que agreguei, porque eu já fazia espetáculos e busquei agregar todo meu conhecimento do TU ao meu trabalho.
Mas é muito lindo ver o trabalho de cada um, ver pessoas que eram da pedagogia pegarem esse trabalho e levarem para dentro da igreja, o que é muito bacana. Nós temos duas evangélicas no grupo e sempre respeitamos muito elas e elas sempre respeitaram a gente nas nossas crenças, nunca foi motivo de discussão e hoje elas trabalham dentro da igreja, o que é engrandecedor.
É muito legal ver hoje a disseminação desse trabalho, onde cada um seguiu um caminho dentro da arte muito distinto do outro, mas que continuamos sendo um só. Acho que somos uma turma muito especial, mas não nos sentimos assim por causa do que os outros falam, nos sentimos especiais por nossa existência, em saber que dez anos depois temos um grupo no WhatsApp com todas as pessoas e o amor que sentimos de todos. Duas pessoas da turma são os padrinhos do meu filho, eu sou madrinha do filho deles, é uma história de vida.
Cris Madeira
O Juguetes foi um momento muito importante na minha vida. Quando penso nos Juguetes, penso em muita intensidade e efervescência pra mim. Um momento marcante pra mim. A gente espera muito o momento da formatura quando estamos no TU porque é esse o momento de finalizar o ciclo. É nesse momento que a gente tá se preparando pra não se ver mais. E minha turma era uma turma extremamente unida e muito amiga, que tinha muita conexão e foi um acontecimento esse encontro, foi muito potente. A intensidade do processo tem a ver com isso, de estar ali, de querer fazer acontecer, de ser pau pra toda a obra, de segurar na mão do outro e falar “Vamo junto, vai ser lindo”.
É um momento de ansiedade também, jovens, atores, estudantes do Teatro Universitário, tem toda essa mitologia em torno do que é a formatura numa escola técnica. Eu queria mostrar serviço, fazer valer todos os ensinamentos dos meus mestres.
Era o momento de experimentar ali, numa montagem completa, encenamos um livro do Gabriel Garcia Márquez, o Juguetes Peregrinos. Até hoje a minha turma se chama de peregrinos e continuamos peregrinando por aí. Cada um foi para o seu canto, mas sempre juntos e eu tenho muito orgulho de ter vivido com essa turma que eu amo muito. Foi um divisor de águas na minha vida e sinto muita saudade mesmo.
O Rogério foi o nosso diretor e eu lembro que no começo tínhamos alguns livros pra escolhermos. E foi uma escolha quase unânime pelos Juguetes Peregrinos. No começo, fizemos improvisações e cada um foi experimentando o que mais atravessava ele. Começamos improvisando, gostamos de algumas cenas, elas foram ficando e assim “brincando”, foi cada um defendendo o seu papel.
Apresentamos num espaço em Santa Teresa. Lembro que foi o primeiro ano que saiu uma verba maior para o TU pra montagem de formatura. Tínhamos um palco diferente, ele era em formato de “C”, como se fosse uma passarela, era uma estrutura muito legal, um palco italiano contemporâneo. E os figurinos muito vivos, cores vibrantes, nossa maquiagem também era muito marcante porque a ideia era para que fossemos bem semelhantes a personagens de desenhos animados. Tentamos trazer para a encenação as características do realismo fantástico. Por isso, ficávamos todo dia, por volta de uma hora só se maquiando. Na época, quem fazia essa disciplina de maquiagem era o Mauro. Aprendi a maquiar na época, mas se for me pedir pra fazer eu não vou saber mais não (risos).
Lembro com muito carinho dessa época. Naquele dezembro, com chuva a gente já estava ensaiando em Santa Teresa. Uma memória muito forte que eu tenho é eu descendo do metrô e subir a mármore inteira com sombrinha e chuva.
A temporada também foi muito legal, intensa, muita gente foi nos ver. Era muito gostoso apresentar. Se não me engano, o espetáculo tinha duas horas, era uma apresentação que demandava muitas energias. Com a preparação musical da Helena Mauro, a gente cantava muito. Eu amava cantar e a minha turma era uma sala muito musical, então a gente era muito MU-SI-CAL. Cantávamos muito, em corais, era algo muito gostoso de se fazer.
Mas era também um texto denso, falava de coisas densas da vida dos imigrantes latinos na Europa. Esse sofrimento, essa emoção, esse arrebatamento e ao mesmo tempo, esse calor, essa cor, essa musicalidade era bem a cara da minha turma.
É tão estranho pensar que já se passaram dez anos, as coisas passaram tão rápido. Fico até emocionada, com saudade. Assim que formamos, alguns da minha turma quiseram continuar e formar um grupo. E assim fundamos a Companhia Peregrina. No início eram quase todos, nós queríamos circular com o Juguetes Peregrinos, mas aí veio a realidade chamando cada um, e alguns foram saindo pra fazer os seus corres.
Aí ficou, eu, a Ju Abreu, Rafael Bottaro, Thales Brener, Anaís, Ana Cecilia e o Aquiner. Formamos em 2011 e entre 2012 e 2013 ficamos com a Peregrina. Ai que aprendemos na prática o que é ser um grupo. Ler editais? Até então a gente não sabia. A gente também pediu pro Limoeiro escrever um texto de cordel pra gente, voltamos às raízes do TU, ao cordel. O Limoeiro escreveu para gente três cordéis, que é o “Cordel é pra Comer” com três histórias. Mandamos esse cordel para festivais e fomos aprovados neles.
Fomos nos apresentar num festival em Taubaté e ganhamos alguns prêmios nesse festival, de melhor dramaturgia, melhor coletivo de espetáculo de rua. Entre trancos e barrancos fomos tentando seguir como um grupo.
Depois montamos outro espetáculo chamado “Presepada Performativa em Sete Prólogos” que foi dirigida pelo Marcelo Veronez que também é ex-aluno do TU. Apresentamos no Teatro Alterosa, mas foram poucas apresentações.
Depois, em 2014, eu fui para Israel. Conheci uma pessoa, meu companheiro, que era de Israel, então fui para lá para viver lá. Lá eu fui experimentar uma outra vida, uma outra cultura, nunca tinha tido a oportunidade de morar fora e de repente eu me vi em Israel, uma terra que eu mal sabia que existia. Lá eu vivi e trabalhei como brasileira profissional, lá eu toquei pandeiro como aprendiz num grupo de choro, o Clube do Choro de Israel, eu era faxineira e eu era bailarina de um grupo de samba que se apresentava em festas. Foi assim que eu vivi lá.
Acho que o TU e toda a minha experiência no teatro, também no teatro empresarial deram o meu carão e a minha ginga pra poder fazer tudo que eu fiz em Israel.
No final de TU, eu fazia parte de um coletivo chamado “Coletivo Nú” que era de BH e do Rio, e a gente tinha uma cena curta que se chamava “Nem o Pipoqueiro” e essa cena virou espetáculo. Participamos de muitos festivais de cena curta, ganhamos prêmios, apresentamos o espetáculo também na UFMG e no Teatro Glaucio Gil no Rio de Janeiro.
Foi um momento muito importante pra mim.
Em 2014, eu voltei para BH pra fazer a circulação do “Nem o Pipoqueiro”, porque a gente tinha sido aprovado pelo fundo municipal. Fizemos a circulação em todos os centros culturais.
Em 2015 eu me mudo para Cumuruxatiba, uma pequena vila de pescadores no extremo sul da Bahia. Fui viver outra vida, experimentar como é viver perto do mar numa vila pequena. Lá eu fiz de tudo um pouco, fui professora numa escola municipal, eu dava aula de Português, mas também dava aula de Arte e Educação. Me envolvi com os grupos culturais da vila, fiquei ali com a ditadura cultural, junto com os ditadores culturais da vila. Participei do grupo de Maracatu, Maracatiba, do grupo de dança afro “Ser Movimento”, ajudei a produzir o primeiro Festival Tendedê. E cá estou em Cumuruxatiba até hoje.
Já fiz de tudo um pouco e ano passado, comecei a me dedicar mais às pesquisas do audiovisual e da performance. Já faz muito tempo que eu flerto com essa área do audiovisual, da fotografia. No ano passado eu fiz alguns trabalhos dentro desses Editais Emergenciais. Fiz um curta que foi para a mostra de cinema de Rondônia, o curta chama “Estudos sobre o vento”.
Atualmente nesse Brasil a gente tem que se virar, então atualmente eu trabalho gerenciando um espaço com aluguéis em Cumuruxatiba para sobreviver. Depois de sete anos aqui, esse é o primeiro ano que eu trabalho diretamente com turismo. Está sendo muito desafiador, é uma grande produção envolvendo obras e outras coisas. `
E é isso, ao longo desses anos, fazendo de tudo um pouco, gingando de lá pra cá, vivendo muitas experiências, mas sempre no circuito BH-Cumuruxatiba.
Ju Abreu
Esse processo de construção do espetáculo era um desejo muito grande da turma inteira, de participar de tudo do início ao fim, de ter que se responsabilizar de aspectos como a iluminação, produção, como se fosse em um estágio pra gente se profissionalizar. E pra gente foi muito importante participar de tudo, criando as cenas coletivas, criando as cenas individuais, desse trabalho de ator que é criar e levantar material para o espetáculo e também as construções sonoras com a Helena, esse era o universo do teatro que queríamos pesquisar. Devido ao tamanho de nossa turma, que eram 17 estudantes, era impossível que tivéssemos um trabalho, senão, um coletivo de todos.
E eu tinha um desejo muito grande de trabalhar com um grupo no teatro, isso porque Belo Horizonte é uma cidade que tem muitos grupos de teatro. Então, eu adorei a proposta da turma em poder vivenciar esse teatro coletivo e assim também poder ver o que cada um queria fazer como a preparação corporal com o Thales Brener que já tinha esses anseios com a dança e o corpo. Também achei muito interessante criar cenas, no futuro eu viria a dirigir também e a produção como realizadora junto com outras pessoas escolhendo o espaço e outras coisas. É muito doido falar isso porque é exatamente o que eu faço agora.
O processo foi muito rico, porque a gente pode explorar, propor o trabalho como ator/atriz, cantando, e para mim foi muito interessante ter essa experiência. O Rogério deu essa liberdade da gente ir para outras frentes também.
Na época não tinha tanto dinheiro, a UFMG não tinha tanto recurso para montagem, então fizemos algumas ações para levantar o dinheiro para produção, para produzir peça gráfica, para os nossos figurinos e por aí vai. E para levantar esse dinheiro, fizemos algumas festas na época. Mas do que o espetáculo em si, eu achei muito legal todo esse processo todo do que é fazer teatro, porque depois que você forma, você perde o amparo da escola como uma grana pra montagem, um espaço pra você ensaiar, profissionais disponíveis para você.
Por isso, o que me fica desse trabalho é essa vivência, essa experiência coletiva, essa possibilidade de explorar outras áreas da técnica como a produção, a maquiagem, o figurino. Outras pessoas foram se localizando nesses lugares para além do trabalho de ator, que é o que o curso forma.
E é isso que vemos, quem trabalha em grupo de teatro não faz apenas atuação, também se responsabiliza pela iluminação por exemplo, e vamos construindo as coisas juntos nesse coletivo.
Essa vivência foi muito boa da forma que foi conduzida, tínhamos muita vontade de formar juntos, éramos, somos amigos até hoje. Foi muito emocionante formar com essas pessoas e ver que elas estão inseridas também no mercado de trabalho com muita coerência com aquilo que fomos dez anos atrás.
Dez anos depois, eu continuo percorrendo o caminho da produção que eu comecei lá, ainda durante o TU, produzindo eventos. Hoje eu sou produtora do meu grupo, o Toda Deseo, montado em 2013 que vem nessa trajetória do TU, porque uma galera que se conheceu nesse métier, a gente se conheceu nesses espaços.
Com uma característica que já tínhamos lá em 2011 que era trabalhar coletivamente, de assumir várias funções, de estar disponível para o trabalho, não só de ator, mas também estar disponível para essas frentes técnicas. Essas são características que eu carrego até hoje, seja na Toda Deseo ou na Gruta. Meu desejo de termos um grupo vem desde a época que fizemos a apresentação do Juguetes Peregrinos, eu sempre quis ter uma sede de um grupo que movimentasse a cultura dentro da cidade.
E isso foi acontecendo, quase que de uma forma natural, do jeito que queríamos. Em 2013 começou a Toda Desceu e estamos até hoje, oito anos juntas, desde 2018 temos um espaço, a nossa sede, a Gruta. É algo muito importante, porque nos possibilita um local para ensaio, também as festas, os espetáculos festivos que costumamos fazer. Nos permite fazer parceria com outras pessoas, como o Cine Horto, o Galpão.
Isso tudo eram metas que a gente tinha e agora, com essa entrevista podendo rever o que fizemos, vão caindo algumas fichas. Nós desejamos e corremos muito atrás da coisa e o como essa coisa realmente acontece, quando dá essa força coletiva que o teatro traz, mesmo nesses tempos mais complexos que a gente tá vivendo. Mesmo com tudo isso, quando olhamos para a nossa trajetória e ver o que pensávamos lá atrás e evoluindo sempre, são coisas que nos fortalece muito, e isso nos dá resistência, que é algo que precisamos na nossa profissão, ainda mais no contexto que vivemos atualmente, Brasil 2021.
Ver agora, que o grupo está conseguindo realmente movimentar a cultura na cidade, e isso é muito bonito. Eu não sinto orgulho só de mim, quando vejo a trajetória dos outros atores e meus amigos, os Peregrinos, fico com a sensação que todos estão numa caminhada muito junta, mesmo com cada um estando num rolê diferente, todo mundo fez aquilo que desejava e resistiu a esses dez anos na nossa profissão. E sei que é muito difícil e que não é drama.
É muito bonito ver que essa galera tá fazendo o que gosta, isso fortalece a gente a seguir pela cultura, pelo teatro, pela cidade que cada um tá inserido. Tem pessoas que não estão mais em Belo Horizonte, mas estão em sua trajetória.
Keu Freire
Foi um processo muito intenso, com uma turma muito potente. Foram três anos de convívio, foram muitas histórias, muita vivência, muito aprendizado, parecia um mundo paralelo. Eu me recordo quando entrei no Teatro Universitário pela primeira vez, ainda no casarão, e nossa turma inclusive foi a que fez a transição.
Eu acho importante pontuar toda a experiência que a escola proporcionou mesmo, entre aquela diversidade, aquele encontro tão heterogêneo entre sujeitos tão diversos vindos de diversos lugares, diversos contextos. Então, aquele encontro se deu de uma forma muito rica.
Durante todo esse processo de formatura, não só durante a montagem do Juguetes, era muito visível a potência daquele coletivo. A montagem foi também uma marca para o professor Rogério Lopes no sentido de que foi a primeira montagem dele no retorno ao Teatro Universitário, e o Rogério vem como potência muito grande enquanto professor condutor, diretor daquela montagem, e ele nos conduziu muito bem. Num processo que partiu de um livro “Doze contos de Peregrinos” e dialogou muito com as outras disciplinas do Teatro.
Foi uma vivência de montagem intensa, diversos momentos ficamos perdidos, nos reencontramos, o coletivo era muito potente, muito forte. Inclusive os elementos presentes em cena com uma musicalidade intensa, uma corporalidade diversa em cena. Um processo muito, muito feliz. A estreia foi marcante, no espaço Café Teatro que fica na Santa Tereza. Pessoalmente, foi um momento muito transformador enquanto indivíduo, enquanto artista, muitas portas se abriram a partir daquele momento.
A própria temporada me proporcionou um teste do qual me permitiu a entrada em uma outra montagem de um espetáculo infantil que circulou por São Paulo e Rio de Janeiro em 2012. Portanto, isso foi muito importante para a minha continuidade enquanto artista e abriu esse campo de pesquisa no qual estou imerso até hoje, que é o teatro para infâncias.
Hoje eu estou como analista cultural no SESC-MG, uma das minhas funções é a curadoria em artes cênicas com projetos bem consolidados, que é o palco giratório e o SESC Dramaturgias, dentre outros. Também realizo em Belo Horizonte, o FENAP-BH, Festival Nacional de Arte entre as Infâncias e desenvolvo também o meu trabalho de criação e experimentação em artes cênicas entre as infâncias dentro da Insensata Companhia de Teatro.
Sou muito agradecido e muito feliz por ter tido a oportunidade de conhecer pessoas tão maravilhosas nesse processo poético e pedagógico de formação do Teatro Universitário junto desses companheiros lindxs, que são os Peregrinos e todos os professores que a gente teve a oportunidade de trombar nessa escola tão marcante, tão importante pra Minas Gerais, que é o Teatro Universitário
Rafael Bottaro
Tenho um carinho muito grande, ele tem uma importância muito grande para mim, porque foi o trabalho de conclusão de uma turma, que a meu ver tem uma relação muito forte, se gostam muito. Vivemos três anos intensos de trabalhos no TU. É uma turma muito massa, somos parceiros de vida e de trabalho. Alguns estão mais distantes e outros mais próximos. Eu acho que esse processo foi muito valioso por ser com essas pessoas.
Vem várias questões em minha cabeça que me marcaram muito, como a própria concepção do Rogério na coisa mais da visualidade do espetáculo, da encenação onde ele propôs uma coisa mais cinematográfica. A peça tinha um pouco de enquadramentos de cenas, a gente trabalhou com um registro extra cotidiano, com uma maquiagem do Mauro que era maravilhosa. A oportunidade de, dentro do processo, exercer funções de assistência, de cenografia, de confecção de objetos da cena.
O foco na América Latina, fazendo uma adaptação de uma obra do Garcia Márquez e tendo como referências vários grupos artistas latino-americanos. Foi em um momento político de uma esquerda forte nos vários países da América Latina, era um momento interessante, mas não imaginávamos que seria o momento alto porque agora as coisas estão bem difíceis num contexto geopolítico. Esse contato com a cultura latino-americana foi uma coisa que me marcou muito, me agradou muito.
Como ator, foi muito massa pesquisar e experimentar a figura de um mágico. O Rafael me deu alguns “toques” sobre mágica, foi gostoso brincar com essa personagem.
Uma coisa que eu lembro que me marcou foi logo depois do processo, enquanto eu lia um jornal, vi a notícia que García Márquez estava começando a sofrer com o Mal de Alzheimer. Pensei muito no Juguetes na época, porque era o tema que tínhamos escolhido na época. A figura de Márquez, que tem tanta história, contou tanta história que começa a perder a memória. É uma lembrança que tenho.
Formamos em 2011 e na sequência o Rogério me convidou para fazer parte do Teatro Público e para mim, isso é um marco na minha trajetória profissional. É através desse convite de entrada no grupo que eu começo a ter essa relação de trabalho afetivo na arte, e também consigo ter a condição de sair da casa dos meus pais me dando até uma emancipação. Vivendo do que eu fazia, do que eu entregava para a sociedade.
Esses dez anos tem sido muito duros, viver de arte não é fácil, mas é possível.
Dentro do teatro eu tenho um foco na pesquisa da máscara, tanto na atuação, quanto na confecção. Fiz uma iniciação científica com o Rogério na UFMG, onde seguimos escrevendo sobre o processo no Bairro Encantado, participei também dos grupos de pesquisa do Linares na máscara neutra e nos seus tipos.
Meu TCC foi essa mistura do processo de arte na América Latina e sua geopolítica e na máscara. Fiz meu TCC sobre a Passa Montanha que é uma máscara utilitária, mas que aparece em vários lugares da América Latina com funções e ideologias diferentes.
Na área do teatro eu trabalho no Teatro Público, que é um grupo que trabalha com a máscara, trabalha com a rua. Trabalho também no ateliê com a confecção de máscaras e adereços. Faço parte da ocupação Espaço Comum Estrela, que é uma ocupação cultural de um patrimônio da cidade que estamos restaurando há oito anos que tem um entendimento de autogestão. É uma experiência muito interessante para tentar na prática experimentar outras formas de gestão e organização social. Na ocupação existem vários núcleos e um deles é o núcleo de teatro político que eu faço parte também.
Tenho mais um quarto lugar que eu trabalho que é na Ana Um, uma produtora de vídeo, eu sou formado em Comunicação e tenho uma produtora de vídeo com mais dois amigos que formaram em comunicação. Prestamos serviço na área do audiovisual em registro de teatro, vídeos institucionais, documentário independente, trabalho nessa área também. Tenho praticamente esses quatro lugares.
Esse leque que fui abrindo no decorrer desses dez anos pra conseguir viver da arte. E mesmo com essas quatro atividades é muito difícil mesmo. Todas as leis de incentivo à cultura, municipais, estaduais e federais foram muito importantes para esses coletivos que eu faço parte. Durante um tempo, conseguimos desembolar com essas verbas, mesmo assim, a gente sabe que hoje em dia o que existe não dá conta dos artistas. Vemos ver isso acontecer, essa dificuldade também.
Essa é uma situação que bate no momento político que vivemos, tanto que falei anteriormente nessa questão de uma América Latina de esquerda como referência para o mundo. Nos dez anos que vieram, essa situação veio a se inverter, vimos vários golpes na América Latina. Sofremos um desmonte, já faz algum tempo através desses golpes e desse desgoverno de extrema-direita.
Roberta Bahia
Desde o início, nós fomos uma turma muito intensa. Todo mundo muito intenso, todo mundo apaixonado pelo ofício, todos apaixonados um pelo outro, todos muito dedicados, todo mundo disciplinado, todo mundo muito afim de fazer acontecer em termos de coletivo, em termo de arte, em termos de experimentação, em termos de improviso. É uma galera que se envolve para fazer as coisas, dá o sangue e não mede as consequências e se jogam.
Como todo processo teatral, todo processo artístico ele tem os seus altos e baixos, tem os seus stress, dúvidas, angústias, incertezas, não foi diferente com a gente. O que me marca muito é o quanto a gente era alegre, o quanto experimentamos, o quanto a gente se jogava. A partir do momento que tivemos a escolha do texto, com a leitura, com a pesquisa, com a pesquisa musical que fomos fazendo, sempre foi com muita entrega.
Eu tive um processo com muita ansiedade durante o meu percurso teatral, ao mesmo tempo em que eu mergulhava muito afundo em tudo, eu ia com bastante ansiedade com muito medo se isso daria certo. Para mim, foi um processo forte. A Helena Mauro falava que a gente era uma turma muito musical. Eu já era formada em fonoaudiologia, então acabei abraçando os nossos aquecimentos vocais, contrariamente eu não era musical. Tive muita dificuldade com a parte musical, mas foi um processo que a galera encarou. As escolhas do nosso repertório, lembro que eu tive muita dificuldade pra cantar e isso eu posso dizer que até hoje é uma dificuldade que eu tenho. Eu tinha muito medo de não dar conta, mas a gente fazia vozes, mesclamos, fazíamos coro enquanto alguém cantava. Esse foi uns dos maiores desafios pra mim, mais do que estar em cena, falando texto, improvisando.
A minha personagem era de vários lugares do mundo, então eu fiz uma pesquisa sobre o italiano, trazer essa sonoridade, um sotaque italiano. Não foi tão difícil como cantar uma canção popular, mas foi bonito, acho que deu um resultado bonito, mas foi difícil de mais para mim o canto. Mas os nossos jogos de improviso, o como cada um se ajudava, as horas que ficávamos improvisando. A forma como a gente foi criando a maquiagem com o Mauro, com uma concepção incrível de maquiagem, um figurino iluminando esse universo real/fantástico do García Marques.
Foi uma proposta muito lúdica nossa, brincante. Era uma história que se confundia entre real e imaginário e com uma proposta maravilhosa. E fomos tomando forma, tomando histórias, até hoje a gente se reúne e canta as musicas e conta essas histórias e o mais foda que fica para mim é o afeto e a paixão pelo oficio. Posso estar errada, mas acho que todos nós seguimos com o ofício da arte, seja nos bastidores, seja dentro, seja na produção burocrática, todos nós peregrinamos por esse mundão seguindo com a arte.
Mas o que marcou os três anos de TU foram os artistas incríveis, extremamente solidários, pessoas que sabem trabalhar em equipe, pessoas extremamente apaixonadas pelo ofício. Com uma presença cênica, todos gigantes. Foi um puta aprendizado. Mas o que mais me marca é o afeto dessas pessoas e o amor pela profissão.
Embora tenhamos tido uma relação bem boa nesses três anos com os colegas de profissão, eu não me vi atuando em Belo Horizonte, eu já era formada como fonoaudióloga. Cheguei a procurar lugares para trabalhar como fonoaudióloga, como preparadora vocal, mas não tive abertura e nenhum vínculo, tirando com o grupo nesses três anos. Mas eu tinha um sonho de vir morar no Rio de Janeiro, trabalhar como professora de expressão vocal.
Resolvi fazer uma experiência e vir morar no Rio logo na sequência. Eu me mudei para o Rio de Janeiro em 1º de janeiro de 2012, menos de um mês depois da minha formatura e comecei a minha experiência como preparadora vocal numa escola de formação de atores. Durante um ano e meio, fiquei trabalhando como professora numa escola de formação de atores, onde dou aula até hoje. Assim, foi o meu começo de história aqui no Rio de Janeiro.
Em 2013, comecei a sentir muita falta de atuar. Eu tinha colocado na minha cabeça que eu não tinha me formado em teatro só pra ser professora de ator não, eu era atriz também. E eu estava ficando até na deprê de ficar só nos bastidores, ficando angustiada e sentia também uma insatisfação, como se não bastasse preparar os alunos, eu precisava voltar para os palcos.
Comecei com o teatro de rua e fui fazendo cursos, fiz oficinas e mantenho o meu corpo ativo também como atriz. De lá pra cá, eu comecei uma trajetória também no audiovisual fazendo curtas independentes, fiz mais workshops nesta área. Nosso curso foi bem focado no teatro, então depois de formada eu me apaixonei pelo cinema. Cheguei a fazer participações em séries da Netflix, HBO, na segunda temporada de Mecanismo, também na segunda temporada de "Impuros" e uma participação no filme "Um Tio Quase Perfeito". Também estrelei em curtas de amigos, curtas universitários.
Atualmente eu estou fazendo uma residência de dois anos com a Companhia dos Atores. Então eu não parei. Dentre idas e vindas, estou naquela escola há oito anos. Dei aula de voz num projeto da Funarte. Foi uma experiência bem incrível, conhecer artistas de outros lugares do Brasil. Fiquei com um grupo de rua por dois anos, tentei também formar um coletivo, mas não foi possível.
Uma lembrança do que eu tive no TU que é o coletivo, que é ter um por todos, o famoso ninguém solta a mão de ninguém. Eu vivi isso muito e é isso que eu passo para os meus alunos. Eu tive professores incríveis que eu só tenho a agradecer, a todos vocês que estiverem lendo isso daqui, saibam que vocês foram muito importantes para mim (choro).
Eu realmente me emociono muito com a minha trajetória, com o que eu tive de aprendizado, que é o que eu levo pro meu ensino e na minha prática como atriz. Escutei de muitos professores sobre a minha ansiedade, que até hoje é algo que eu trabalho muito e é muito interessante ver o como eu lido com os meus alunos, às vezes também passam por crises de ansiedade, por medo, insegurança. Eu tive uma escola muito foda que me ajudou a olhar pra isso com muito carinho. Não esqueço que teve uma professora que disse pra mim em um feedback: "Você é muito ansiosa, trabalhe sua ansiedade”. Eu acho que hoje eu consigo ter muito mais prazer em cena, prazer em atuar, menos medo do que chegar em uma direção.
Nesses dias, eu consegui trabalhar um feedback com uma das alunas que eu tenho e olhar pra trás e falar assim: “Nossa, o quanto eu superei, o quanto eu cresci e o quanto eu hoje sou mais leve” eu sinto mais prazer com o ofício.
Enquanto eu falava com vocês eu fui pegar um cartaz da nossa apresentação e vi nele uma carta do nosso professor Rogério Lopes (choro), um beijo pra ele!
Ler essa carta me encheu de emoção um tanto. Parabéns Peregrinos, parabéns Teatro Universitário. Muito obrigado por essa experiência, muito obrigado por fazer parte da minha vida. São mais de vinte anos de teatro que eu tenho e eu nunca desisti. Estou extremamente emocionada com o coração em festa.
No início desse ano, me reuni com os nossos amigos Peregrinos pra ver se conseguimos montar um trabalho juntos de novo. Aproveitar esse movimento online do audiovisual. Mas não foi possível, porque FELIZMENTE, todos estão muito envolvidos com a arte, com o seu trabalho, com as suas famílias, com os minis peregrines, porque é uma família que tá crescendo. Não foi possível nos reunimos para juntos atuarmos, mas quem sabe daqui dez anos…
Thales Brener Ventura
Fico muito feliz em retornar e falar um pouco dessa época porque a turma do “Juguetes” é uma turma a qual eu tenho muito carinho. Não só por ter feito parte dela, mas por manter a memória dela ativa no meu corpo. Foi um processo muito bonito, foi um processo empoderador, um processo que traz a unificação do desejo de dezessete pessoas mais o corpo docente do Teatro Universitário. Com uma turma que já vinha trazendo esse processo de muita garra.
Fiz a graduação e o Teatro Universitário ao mesmo tempo e percebo o “Juguetes” um espetáculo que foi uma confirmação de toda uma busca de muito desejo. Por isso, eu entendo o “Juguetes” um processo muito bonito, que pauta à vontade, a força, a intuição. Estávamos começando a discutir sobre identidade, os lugares que ocupamos, os lugares que anseiam. Eu lembro que já falamos sobre América Latina.
Era uma turma em sua maioria preta, uma turma que trazia muita musicalidade, uma turma que trazia muita intuição e muito desejo de fazer. Não tinha problema em entrar com uma sala de trabalho, uma sala de ensaio. Trabalhamos muito.
No processo pedagógico, tínhamos uma disponibilidade, uma disposição tão gostosa, uma raridade, ter artistas ou estudantes que se propunham a estar, a fazer, pesquisar e isso é muito rico. Acho que tudo isso línea todos os processos de todo mundo que se formou nessa turma.
Nos encontramos até hoje enquanto turma, mantemos esse contato já a dez anos, se encontrando e buscando saber dos trabalhos um do outro e isso é muito forte. Eu acho que um dos pontos que mais marcaram foi esse contato com a turma, esse contato com o Teatro Universitário, esse contato de exposição, de disponibilidade para o trabalho, de pesquisa, dos primeiros contatos de se sentir e entender, o que é ser latino, o que é ser uma pessoa preta no cenário cultural, de entender a nossa ancestralidade. Falávamos de temas muito importantes e necessários num processo muito lúdico de entendimento com o público.
Foi um processo bem horizontal.
Nós fomos a primeira turma com que o Rogério trabalhou, ele entra e já dirige o espetáculo no Teatro Universitário. Nos encontramos com ele antes, e levou uma proposta que já tinha a ver com a gente, compramos a ideia. Cada pessoa ali tem um “pedacinho” do espetáculo. Brincamos que o nome Peregrinos é algo que delineia a nossa carreira, cada pessoa tá num lugar do mundo, já vivenciou outras histórias, já fez outras diversas coisas.
Após o TU, eu ainda precisava terminar a graduação em Teatro e continuei tendo um vínculo com o TU porque eu tinha uma bolsa de pesquisa sobre a preparação corporal em Belo Horizonte com o Tarcísio Ramos. E isso foi umas das coisas que mais delineou o meu processo artístico nesses dez anos, por ser um artista, também um profissional da área que propõe reflexão e propõe processos criativos do corpo e da voz. Eu acompanhei e transcrevia as entrevistas com Tatá, então foi bem interessante acompanhar os processos de preparação corporal na história de Belo Horizonte.
Eu já me propunha a fazer preparação corporal, a dar aula de alguma forma. Eu puxava os aquecimentos corporais nos ensaios dos Juguetes.
Algo que eu acho muito bonito de todo o corpo docente é perceber o desejo de cada ator e atriz.
Dirigi coreograficamente, fui preparador corporal de diversos TCCs na graduação e me mantive ali perto para poder, sempre muito curioso, assistir as aulas e fazer coisas do tipo. Na graduação, participei de um grupo de pesquisa Libera Voz, com Ernani Maletta. Foi um lugar de junção do processo corporal com o processo vocal, fazer essa junção do corpo+voz.
Estava concluindo a minha graduação, e junto com o meu orientador, eu tive contato com The Workcenter of Jerzy Grotowski and Thomas Richards e durante um tempo, fui trabalhar com o Open Program. Mas eu comecei esse trabalho com o Workcenter em Belo Horizonte, depois fomos para Buenos Aires, depois retornei a São Paulo e aí que eu fui para a Itália, aí fomos para algumas cidades na região da Toscana. Não fui um integrante da Workcenter, mas fui um investigador parceiro e fui acompanhando.
E também fiz um espetáculo com a Francesca Della Monica lá na Itália. Dentro da minha pesquisa pessoal, eu consegui relacionar os dois trabalhos. Depois fui para Paris com o Workcenter, fiquei lá um tempo fazendo propostas de trabalho para pessoas de cada lugar que a gente passou. Depois, em São Paulo, fizemos mais um trabalho.
Depois de todo esse processo, retornei a Belo Horizonte com essa bagagem e fui de encontro ao Grupo Maria Cutia, a Companhia de Teatro do Toda Deseo. E assim eu tive outro processo, sai desse processo europeu, que em determinado momento começou a me incomodar por ter muitas referências europeias e aí eu retorno ao Juguetes com as latinidades, com esse desejo de entendimento das latinidades eu retorno a Belo Horizonte. Esse encontro com a Toda Deseo foi muito importante pra mim, porque eu já tinha uma experiência com espetáculos de rua, do Maria Cutia, e de outros processos de identidade dentro do Teatro Universitário. Meu primeiro espetáculo, quando eu tinha dez anos de idade, foi um espetáculo de rua. Retorno a Toda Deseo enquanto um ator, um artista que vai entender essa identidade latina, identidade mineira.
Retornei à minha família, retornei aos meus desejos em confronto com a minha história, enquanto me entendia como pessoas LGBTQIA+. Entender esse corpo que é dança, que é festa, que é carnavalizado. Passo por esse processo de entendimento do corpo dentro da minha história que é de uma família que vem do Vale do Mucuri, uma família preta, uma família que é a do meu pai, junto com a da minha mãe, que é uma família branca.
E esse processo de identidade agora foi sendo estabelecido nos espetáculos da Toda Deseo e nos processos que eu dirigi. Acabei agora de finalizar dois processos no Palácio das Artes, onde eu dirigi dois espetáculos.
Tenho sido um investigador teatral, trabalho com a Raquel Castro e tenho conhecido esse artista agora que tá propondo reflexões, reflexões corporais e que também tá propondo processos num âmbito nacional.
Eu junto da Anais, estamos com a proposta do Cine Cidade. Meu Deus, é tanta coisa! (risos) Eu trabalhei com quase todo mundo do Peregrinos. Trabalhei com as Bacurinhas, com a Ana Cecília, com a Nágila no processo dela fora do país, Com a Anais agora, Bottaro, Júlia que fez parte do processo criativo do Palácio das artes. Trabalho junto com Jú, sócio da Gruta, que também é integrante da Toda Deseo, participando de processos de mesas com o Keu e com a Brenda, encontrando Roberta, encontrando Vini, Diego Poça nos processos de investigação, Josiane, morei como ela. Hoje, posso falar que eu já trabalhei com todo mundo pós formatura do Juguetes, e isso que é bonito, a gente se encontra. Todo mundo tá trabalhando em arte e com a arte, desde a com o ensino básico até nos processos das telas e produção teatral no Brasil!
Vinício Queiroz
O processo do “Juguetes Peregrinos” foi muito intenso. A nossa turma sempre se dedicou muito em todas as peças que fizemos, na minha opinião, essa era uma característica marcante da turma. Quando alguém tinha alguma dificuldade em algum exercício ou coisa do tipo ficávamos muito chateados, esse foi sempre o nosso nível de cobrança de nível individual de cada um.
Essa dedicação sempre refletiu no nível em que nos entregávamos aos trabalhos. O processo era bastante intenso, o Rogério conseguiu observar bem as características de cada um dentro da turma. Durante o processo ele foi colocando coisas que foram instigando a gente a se colocar e foi algo muito bacana, na verdade, foi muito forte. Até hoje eu tenho marcado essa experiência que eu tive com o Rogério, não somente pela apresentação final em si mas com todo o processo que trabalhamos. Vimos nossas memórias pessoais, os três anos que passamos juntos e essas memórias nos ajudaram a construir as cenas, abrindo um leque de ferramentas para trabalhar. Foi muito intenso.
O Rogério foi bastante sensível para olhar para cada pessoa e pensar em cada personagem.
Dez anos depois da formatura, atualmente eu trabalho como palhaço, na “palhaçaria” e venho me descobrindo através dessa linguagem desafiadora que é ser um palhaço, como ser e criar um palhaço. Além disso, estou estudando Cinema e Audiovisual e daí vem o meu carinho com essa área, fazendo alguns curtas e afins. E também tenho algumas parcerias na área da atuação no trabalho da Caixa Preta. Porém, mesmo com tudo isso, a minha ligação mais forte continua sendo com o Palhaço, experimentando-o em vários lugares, tanto na rua, hospitais, no teatro, no audiovisual.
Rogério Lopes
Cada turma é uma experiência diferente, a gente vai ter qualidades e dificuldades diferentes, vamos passar por questões muito diferentes. Então, eu diria que aquela formatura ocorreu num tempo de brincar. Não é atoa que o Juguetes Peregrinos é essa ideia de brinquedos peregrinos.
Me lembro que no início, tínhamos muito pouco recurso para fazer a montagem, o cartaz a gente fez de maneira muito simples. Uma das atrizes, a Brenda se não me engano, tinha levado para os alunos dela, contado algumas das histórias, dos Doze Contos Peregrinos do Garcia Márquez. E os alunos da educação infantil dela, que deviam ter entre 5-6 anos, que fizeram o desenho daquela nave, daqueles dois meninos viajando e que virou o cartaz. E pra mim é muito importante lembrar disso porque foi a experiência de ter trabalhado por seis anos numa escola de educação infantil no Cidade Jardim, onde eu talvez tenha aprendido as principais lições pra mim em relação a dirigir e a dar aula de teatro. Entender que teatro é jogo.
E era isso que era esse espetáculo, que partiu também de uma coisa, eu me lembro que era um tempo de brincar, porque era um tempo leve, eu havia acabado de ser aprovado num concurso público para o Teatro Universitário. Então, retornei à escola onde eu me formei em 1995, fui professor substituto em 2005 e depois retornando como professor titular.
Então ao mesmo tempo, tinha um frescor, mas tinha uma responsabilidade sobre a condução daquele processo. Eu ainda não tinha tido nenhum contato com essa turma, não sabia nada deles, eram muitos, se não me engano, uns dezenove. A conversa que eu tive com eles, sobre o que eles esperavam da formatura, eles falavam assim: “A gente quer cantar!”, e eu fiquei com isso na cabeça. A gente não tem uma familiaridade com a questão do canto e eu não sabia das qualidades vocais de todos. E era uma turma de fato musical, tanto que o espetáculo virou praticamente um musical, ele era recheado de músicas.
Eu já não me lembro do porquê eu “caí” nos Juguetes Peregrinos, talvez porque eu havia tido uma experiência de doutorado sanduíche na Europa e esse texto fala justamente de Latino-americanos e Europa. Eu adoro trabalhar com Realismo Fantástico ou textos do Teatro Absurdo, é um universo que me interessa bastante, então venho fazendo montagens com textos Latino-americanos. O Realismo Fantástico, especialmente o de García Márquez, me interessava por causa desse fantástico que está em entender o como que o cotidiano pode ser fantástico, o quanto que o fantástico está na maneira de olhar as coisas que nos acontecem.
Pra mim que tenho uma criação pra rua, que interessa o espaço público, essa é uma abordagem bastante valiosa pra mim, pro teatro. Foi a partir do livro de Garcia Márquez, que a gente fez essa montagem. Eu descobri por um acaso pesquisando pelo universo do Garcia um grupo de música Latino-americana, senão me engano, Chileno que chama Intile Mane, assim como Violeta Parra que foi colaboradora desse grupo e então eu trouxe as músicas desse grupo, que são belíssimas, com uma sonoridade andina e com uma pegada política muito forte e propus para a Helena, que fez a direção musical.
Além de serem pessoas incríveis, a turma brincava falando: “A gente é muito confuso!”. Mas essa turma tinha um grau de dedicação a um ponto do qual eu chegava à sala às sete horas da manhã e quase todos já estavam em sala e normalmente às 07:20 o Thales puxava um aquecimento de corpo. E o povo ficava extremamente disposto, às 07:20, pra criar, tanto que articulamos os Doze Contos.
Era um espetáculo que durava duas horas, com coisas muito arriscadas, como por exemplo a cena final de 5-6 minutos no ESCURO, que era a luz como água. Era um conto que eu não conseguia percebê-lo resolvido imageticamente, então resolvemos ele com o som, criando uma paisagem sonora que a Helena criou. Então o espetáculo terminava com essa ideia.
Foi uma montagem bem tranquila de se fazer. Por mais que fosse uma montagem grande em termos de duração, acho que foi a maior peça que eu dirigi no TU. Mas aquele grupo sustentava muito bem a peça. Eu poderia citar também a nossa saga em descobrir como seria a nossa cenografia, já que chegamos a experimentar, desde Contagem, visitar uma cegonheira que o pai do Thales tinha disponível. Quase fizemos isso nessa cegonheira, mas não achamos um galpão que coubesse ela direito e aí acabamos abandonando a ideia.
Foi a peça que eu mais arrisquei opções de cenografia, era o Mauro que estava me acompanhando e todo dia eu propunha uma coisa diferente pra ele. Conseguimos fazer essa montagem no Ideal Café Teatro que é um espaço que ainda existe em Santa Tereza, um espaço muito pequenininho que foi um Teatro em Belo Horizonte e que naquele momento tava tentando retomar as atividades. Foi bem bonito e gostoso fazer esse trabalho.
O espetáculo acontecia numa rampa, um palco em formato de vírgula, como se fosse uma seção de uma espiral, a narrativa de García Márquez tinha uma relação espiralar com o plano. Então tivemos planos a partir dessa vírgula e que o Mauro executou super bem comigo esse processo. Só que ela era muito difícil de transportar, e por mais que os meninos da turma quisessem fazer mais, nós não conseguimos fazer mais apresentações fora aquelas da temporada.
Estreamos no início de dezembro e ficamos por volta de três semanas em cartaz de terça a domingo. Foi linda essa experiência.
Teve algumas coisas operacionais que a gente conseguiu resolver ou melhorar bastante, e que tem uma questão fundante nos peregrinos e eu destacaria em relação a essa questão em parte da formatura da escola que foi a parceria que veio depois com a Funarte, porque antes tínhamos uma dificuldade em conseguir um espaço para o espetáculo. E a Funarte vem nos auxiliando muito com essa questão do espaço. A outra coisa é que naquele momento como jovem professor, fui observar com a direção da unidade da Ebap sobre a questão dos recursos e a diretora na época disse: “Vocês tem o recurso, mas não tem o projeto. Vocês precisam construir o projeto para conseguir administrar esse recurso.” com essa observação que ela me fez, no decorrer do projeto. Esse projeto que depois virou o TU “60 anos”, um projeto voltado para o Fundep onde conseguimos estabelecer um recurso, utilizar de maneira mais eficiente, utilizar de fato os recursos que a escola tinha a sua disposição para a construção das montagens.
Fora essas questões operacionais que eu citei há pouco, eu tenho a impressão de que as coisas mudaram pouco. Pra falar a verdade, eu me formei no TU em 1995 e eu olho nesse passado e tem algumas coisas que permanecem muito próximas até da época em que eu estudei. A sensação que eu tenho é de pouca mudança nesses últimos dez anos.
Em termos de pensamento de escola de teatro, que eu acho que ficou bastante explicito com o advento das cotas, onde começam a vir alunos de outras classes sociais e mais alunos negros pra escola, que trazem demandas que tivemos e ainda temos bastante dificuldades para darmos conta. Isso eu sei que mudou muito, o perfil de alunos de dez anos atrás pra esse é completamente diferente, do que acontece em 2017, quanto tivemos metade da sala composta de alunos negros e agora nós temos muito mais alunos negros na escola. Tem uma série de elementos que mudaram, mas escola, no que conhecemos eu acho que não mudou e eu acho que temos uma resistência em mudar, e eu falo numa percepção muito particular minha, já que pensamos numa reforma que existe já a três anos, mas até agora não conseguimos trazer ela. E essa reforma é muito importante, já que ela trará disciplinas optativas que vão atender às demandas importantes dos alunos e demandas legais, como trabalhar as questões raciais e de cultura afro-brasileira e questões de gênero. Eu sinto uma certa resistência para essa mudança, e acho que teremos que enfrentar isso.
Algo que mudou bastante é a relação da comunicação e da divulgação das ações da escola e da relação com as produções da escola, o que geram iniciativas como essa. Uma relação de interação entre professores e técnicos administrativos, como o projeto Produção e Memória, eu acho isso bem bacana e que deu uma melhorada muito boa na visibilidade e na articulação que a escola tem hoje. Nisso o Jefferson e a professora Tereza tem se debruçado com mais cuidado neste lugar e tem buscado outras interações com outros projetos, como por exemplo, com as artes cênicas no barracão que auxilia com TU.
Nisso eu acho que teve uma ótima evolução e eu espero que continue assim e que bom que tenham iniciativas como essa para registrar a memória da escola.
Ficha Técnica "Juguetes Peregrinos" – 2011
Direção Geral e Cenografia: Rogério Lopes
Direção Musical e Preparação Vocal: Helena Mauro
Direção de ator: Helena Mauro e Rogério Lopes
Preparação Corporal: Tarcísio Ramos Homem
Dramaturgia: Aline Raposo, Brenda Campos, Júlia Dias e Rogério Lopes.
Maquiagem e Figurino: Mauro Gelmini
Elenco:
Aline Raposo, Anais Della Croce, Ana Cecília, Brenda Campos, Chris Geburah, Cristina Madeira, Diego Poça, Josi Lopes, Ju Abreu, Júlia Dias, Keu Freire, Nágila Analy, Rafael Bottaro, Rayza Luppi, Roberta Bahia, Thales Brener Ventura, Vinício Queiroz.
Iluminação: Yuri Simon
Técnico de Iluminação: Akner Gustavson
Assistentes de Preparação Corporal: Thales Brener Ventura
Assistência Vocal : Roberta Bahia
Assistência Musical: Josi Lopes e Júlia Dias
Instrumentista: Brenda Campos, Diego Poça, Josi Lopes, Júlia Dias, Keu Freire, Nágila Analy e Vinício Queiroz
Coro: Os Atores
Produção: Rogério Lopes e Mauro Gelmini
Assistência de Produção e confecção de adereços: Rafael Bottaro
Cenotécnico: Nilson Santos
Comunicação e Divulgação: Ana Cecília e Ju Abreu
Designer Gráfico: André Pizarro
Fotografia e filmagem: Felipe Chimicatti, Felipe Palmini, Pedro Carvalho
Trechos Tramontana: Trechos do “caderno de um regresso ao país natal” de Aimé Césarie
Canções Executadas ao vivo:
Run Run se fué Pa’l Norte – Violeta Parra
Canto a los Caídos- Luis Advis
Corazón Maldito – Violeta Parra (arranjo: Inti Illimani)
Graças a la Vida - Violeta Parra
El Pescador – José Barros
Duerme Negrito – Cancioneiro Popular
Livre adaptação da obra Doze contos peregrinos, de Gabriel García Marques, a peça Juguetes Peregrinos foi o espetáculo de formatura dos alunos do Teatro Universitário da UFMG em 2011. Dirigido por Rogério Lopes, o espetáculo mostrou histórias de imigrantes latinos que vivem na Europa, como fontes de inspiração para brincadeiras de duas crianças.
Nos contos, imigrantes de diversas nacionalidades, incluindo brasileiros, se veem envolvidos em situações bastante peculiares, como a de uma mulher que é tomada por louca e vai parar num hospício depois de pedir uma carona; a de um presidente exilado que, doente, tenta manter sua dignidade ou a de um cachorro que aprendeu a chorar no túmulo de sua dona. No espetáculo, estes personagens e suas histórias são fontes de inspiração para as brincadeiras de duas crianças que, impedidas de viver na liberdade de suas origens latinas, mergulham em suas memórias, numa tentativa de manter sua identidade em território estrangeiro.
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