Por Carolina Lobato
Há quem diga que brincadeira é passa tempo, ou até mesmo, perda de tempo. O brincar é a linguagem da infância, mas não deve ser restringido a tal faixa etária. Quando brincamos, nos disponibilizamos para o outro, permitimos afetar e sermos afetados. O brincar envolve escuta, afeto, cuidado, atenção. E mais: tudo pode virar brincadeira. Quando somamos a vontade de brincar com a fantasia e a imaginação, o céu se torna o limite.
Na infância, a brincadeira atua como um importante mecanismo para o desenvolvimento cognitivo, para a assimilação da realidade e para a conexão com o outro. Através do brincar, a criança é capaz de se reinventar e construir novos significados.
Conforme Rolim, Guerra e Tassigny (2008), a facilidade de interação com o outro, promovida por tal atividade, auxilia na melhor aquisição de conhecimento e na criação de vínculos. Mas por que, quando crescemos, achamos que não devemos mais brincar? Que não somos aptos a isso? Que não possuímos mais idade?
Tenho em mente duas teorias. A primeira é que, ao brincarmos, colocamos o nosso corpo em um estado de entrega e disponibilidade que, de certa forma, nos coloca em uma posição de vulnerabilidade que assusta muitos adultos. Já a segunda diz respeito à relação com a forma com que o brincar é visto pela sociedade. Para muitos, a brincadeira nem mesmo na infância recebe a valorização necessária e, com isso, alguns adultos tendem a se repreender e a não se sentirem permitidos a brincar.
Ainda seguindo a linha de raciocínio da relação com o corpo, Lauer e Eidt (2016, p.142-144) abordam:
Quanto mais conhecimento do próprio corpo o sujeito tiver, maiores serão as possibilidades de perceber, diferenciar e sentir o mundo ao seu redor. [...] O corpo é instrumento de comunicação e com ele é possível comunicar-se, desenvolver uma linguagem. [...] Com o corpo conhece-se a si e ao mundo, estabelece-se um vínculo afetivo com o aprender, experimenta-se o desejo e o prazer de conhecer se transformando em alegria.
À medida que crescemos e deixamos de ser criança, tendemos a enfraquecer nossa relação com nosso corpo e a desatentarmos sobre a sua importância.
Assim, seria exatamente o brincar uma maneira de restabelecer essa relação? De auxiliar os adultos a se reconectarem consigo mesmos? Mas, se diversos adultos não se permitem brincar livre e espontaneamente, como acessá-los?
É aí que pode o teatro entrar como possibilidade de intervenção. Através do teatro, é possível utilizar brincadeiras e jogos teatrais, a fim de trabalhar visando ao resgate dos sentidos da relação com o eu, com meu corpo e com o outro. No texto intitulado “A importância dos jogos para a prática teatral” (2013), Nivaldo Araújo reflete que os jogos teatrais são de extrema importância para as pessoas envolvidas com o teatro, visto que auxiliam na percepção dos nossos sentidos corporais, no aumento da autoconfiança, no desenvolvimento da mente e na perda do receio em se relacionar com o outro.
Em síntese, seja qual for sua forma de acesso ao brincar, apenas brinque. Se permita. A presença de brincadeiras na vida adulta ajuda a criar adultos mais confiantes, equilibrados emocionalmente, flexíveis e abertos ao novo. Quem sabe se, caso um dia tenhamos mais adultos que brincam, o mundo não se tornará um espaço melhor, não é mesmo? Fique então com a reflexão e com a vontade de brincar. Abraços e até a próxima.
REFERÊNCIAS
LAUER, José Gilvane; EIDT, Paulino. Corpo - Corporeidade e os Jogos: Uma Reflexão Preliminar. Revista Professare, Caçador, v. 5, n. 2, p. 129-160. 2016.
ARAÚJO, Nivaldo. A importância dos jogos para a prática teatral. Terra em cena, Planaltina, 23 de outubro de 2013.
ROLIM, Amanda Alencar Machado; GUERRA, Siena Sales Freitas; TASSIGNY, Mônica Mota. Uma leitura de Vygotsky sobre o brincar na aprendizagem e no desenvolvimento infantil. Revista Humanidades, Fortaleza, v. 23, n. 2, p. 176-180, jul./dez. 2008.
Carolina Lobato é atriz formada pelo Teatro Universitário da UFMG e graduanda em psicologia pela PUC Minas. Sua área de atuação principal está voltada para o brincar, o lúdico e as infâncias.
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