top of page

ARRUDA I: O canto diaspórico negro

Por MICHELE BERNARDINO



A gente brinca com o som


Brinca com a voz


Aprende com os mestres


Volta a brincar com a voz,


uma voz que é corpo, um corpo que é voz, isso tudo junto em uma busca constante do autoconhecimento.



Esse é o meu ritual de escrita: um resumo em forma de poesia. E, agora sim, peço licença aos ancestrais para dizer de onde e o porquê disso.


A voz sempre foi à porta de reconexão com minha ancestralidade. Ela me possibilitou descobrir um “eu” que sempre existiu e que se revelou por meio deste corpo-voz, a partir de escrevivências [1] musicais trazidas e pensadas para trabalhos desenvolvidos por mim do ano de 2014 até o presente momento.

Conceição Evaristo, escritora, mulher, negra e periférica acredita que a escrita “é o pretensioso desejo de recuperar o vivido. A escrita pode eternizar o efêmero...” (EVARISTO, 2009), e assim tento recuperar não somente as palavras, mas também o ritmo, sons e m(eu)s timbres. O “eu” vem sendo pensado na mesma perspectiva de Adriana Santos e Stephan Baumgärtel (2015, p. 7), na proposição de um “eu-diluído, um eu-todo e (talvez simultaneamente) um eu-metonímico, um ser singular, mas de modo algum um ser individual”.


A minha investigação, na elaboração da peça teatral Canto ao Mar – trabalho de conclusão de curso na Universidade Federal de Minas Gerais –, se deu a partir da pesquisa de musicalidades das diásporas africanas como mote para o processo de criação, na busca de reencontro do ator com essa sua música individual (nunca tô sozinha nesses pensamentos e produções. que fique dito). Isso abriu espaço para eu explorar mais esse universo musical e, ali, comecei a ter coragem de apresentar algumas composições minhas para pessoas mais próximas. Foi assim que surgiu o desejo de montar um show.

Peça teatral Canto ao Mar - Fotos: Anna Miranda


O show-performance Atlântida Negra, com direção de Rikelle Ribeiro e, em cena, Felipe Oliveira, Jack Diniz e euzinha, aconteceu uma única vez no Centro Cultural da UFMG. As composições musicais eram de autoria minha e do Felipe Oliveira, com texto feito pela diretora. O trabalho dava prosseguimento à pesquisa do espetáculo, trazendo a ideia de um continente em que as musicalidades das diásporas negras dão corpo àquilo que ecoa de mais profundo de si.

Show-performance Atlântida Negra - Foto: Well Mendes


Depois desse processo, a minha ligação com as ervas e plantas fez brotar um novo projeto: Arruda. A ideia inicial, encorajada e articulada mais uma vez – e sempre – junto a Rikelle Ribeiro – tome biscoito rs – era de pensar nessas ervas, nesses temperos e de criar composições inspiradas em cada uma delas, seja pelo cheiro, pela textura e pela relação afetiva com ela. Enfim, com isso tudo, montar um EP e lançar para o mundo.


No quadro, Jup do Bairro - Foto: Natieli Bernardino


Em situação de isolamento e com o desejo de deixar que esse projeto movimentasse, resolvemos fazer a primeira parte desse trabalho musical (ARRUDA I) com elaborações minhas, que estavam secretamente guardadas, e algumas já apresentadas durante essa minha trajetória. Um trabalho musical que dialoga com as artes visuais e traz músicas e textos autorais com temáticas que gira em torno da insegurança, dos afetos e do processo de autoconhecimento.


Colocar a mão na terra para arrumar o jardim de casa e plantar isso tudo tem sido uma cura.


Foto: Michele Bernardino



Para conhecer mais sobre o trabalho e sobre essa trajetória: https://www.instagram.com/michele.bernardino/?hl=pt-br


 

[1] Conceito criado pela escritora Conceição Evaristo, em que se relaciona a ideia de escrever, viver e se ver. A nossa “escrevivência”, diz Conceição, conta as nossas histórias [de mulher negra] a partir das nossas perspectivas, é uma escrita que se dá colada à nossa vivência, seja particular ou coletiva, justamente para acordar os da Casa Grande.

 

Referências


  • GILROY, Paul. O Atlântico Negro: modernidade e dupla consciência. Tradução de Cid Knipel Moreira. São Paulo: Ed. 34; Rio de Janeiro: Universidade Cândido Mendes, Centro de Estudos Afro-Asiáticos, 2001.

  • LIMA, Juliana Domingos de. Conceição Evaristo: “minha escrita é contaminada pela condição de mulher negra” Disponível em: <https://www.nexojornal.com.br/entrevista/2017/05/26/Concei%C3%A7%C3%A3o-Evaristo-%E2%80%98minha-escrita-%C3%A9-contaminada-pela-condi%C3%A7%C3%A3o-de-mulher-negra%E2%80%99>. Acesso em: 13 abril 2018.

  • BAUMGÄRTEL, Stephan Arnulf; SANTOS, Adriana Patrícia. Dos guetos que habito: negritudes em procedimentos poéticos cênicos. Revista Urdimento, 2015. p. 29-41.

 

Michele Bernardino é de Belo Horizonte e tem 26 anos. É atriz, cantora e está finalizando sua graduação em licenciatura. Atualmente é monitora de arte em teatro e musicalização no projeto Arte da Saúde, além de ser integrante  do Coletivo Transborda (2016) e do Coletivo Akofena (2018). Pesquisa sobre o canto em diáspora negra, e a partir disso, desenvolveu trabalhos como o espetáculo “Encantoado”, “Canto ao Mar”, o poket show “Atlântida Negra”, e direção musical no “Revoadas”. 


111 visualizações0 comentário
bottom of page