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DESCONTROLE REMOTO: SOBRE APRENDER A ENSINAR UM TEATRO DIGITAL

Por Babita Faria


Segundo o dicionário de sinônimos online, remoto pode significar: 1) algo que está distante no tempo; 2) algo que está distante no espaço; 3) em relação com algo por intermédio de outro.

A distância parece ser o elemento central dessa palavra tão atual, pelo menos se observarmos as duas primeiras definições. Essa é a condição que o remoto carrega em si, e que acaba dando sentido a outros termos (muitos conhecidos do nosso cotidiano), mas que agora se reinventam. Reunião remota, ensino remoto, aula remota, até festa remota...

E o que dizer do controle remoto, um velho conhecido? Ao refletir sobre minha trajetória como professora e arte-educadora nos últimos meses e colocar essas ideias aqui no texto, não pude deixar de pensar no incrível jogo de palavras que o remoto, e também seu controle ou descontrole, podem (ou não) emergir em nós, docentes e fazedores de arte.


Na foto, aluna e professora fazendo uso do aplicativo para computador SnapCamera, dentro da sala de videochamada do Google Meet.

O mês de março de 2020 vai ser, para todo o sempre, um mês marcante e de apreensão na vida de milhares de artistas brasileiros. Como professora de teatro em um colégio particular de Belo Horizonte, eu também me peguei duvidando da possibilidade de sustentar as aulas no formato online. Será que haveria alunos? Como viabilizar um projeto pedagógico de montagem teatral sem o encontro presencial? Afinal, como fazer teatro com crianças e professoras isoladas, umas das outras, dentro de casa?

Abril, maio... As aulas remotas de teatro aconteceram sim durante esse período. Mas, preciso dizer também que elas foram escassas e confusas, embora as escolas, estudantes, professores e pais estivessem confiantes num retorno breve às instituições de ensino.

Acredito que essa espera só fez crescer dentro de mim mais dúvidas e frustrações com relação ao que eu sabia e o que eu era capaz de propor, como artista, como professora de crianças. Afinal, eu tinha confiança na minha metodologia de trabalho e na experiência pessoal, educando e brincando com crianças, mas zero entendimento de como transpor o que construíamos cenicamente e energeticamente em sala de aula para esse ambiente digital.

O “remoto”, apropriado no sentido literal que o dicionário de sinônimos definiu no início deste escrito, que diz respeito ao tempo e ao espaço dilatados, só foi se estabelecendo como rotina amigável e potente para nossa turma em agosto. Durante todo esse tempo, as crianças, minha chefe, eu (principalmente) fomos nos adaptando como pudemos, em meio a conturbados acontecimentos das vidas pessoais.

Virei de ponta cabeça para descobrir o que era possível e, ao mesmo tempo, interessante para as alunas (eram 6 meninas na turma, de 7 a 10 anos). Em muitos momentos, me questionei enquanto profissional, pensando se era realmente capacitada o suficiente para conduzir o processo. Eu precisava entender o que tinha ficado de mais essencial e primordial para mim e para as alunas, em meio à pandemia e à solidão das nossas telas remotas. E, no fim, eu encontrei várias luzes coloridas no fim do túnel.



Jamboard/mural feito durante a aula por uma das alunas. Depois, o “.br” acabou saindo do nome...

Em agosto, ingressei como aluna no curso de Teatro Digital, promovido pelo Teatro em Movimento Digital. Com pilares em pesquisa, formação e entretenimento, a iniciativa do Teatro em Movimento traz webséries, espetáculos, narrativas gamers e outros experimentos para a cena digital brasileira. Em contato com artistas de todo o país, tive a oportunidade de integrar um grupo de cinco pessoas fantásticas, construir com elas trabalhos, discussões, trocas e um argumento potente, que serviu para, no dia 27/01/21, constituir uma experiência-jogo (assunto para outro texto!).


Além disso, assisti muitos experimentos cênicos produzidos para o digital, cito aqui alguns que foram marcantes: “Gota D’Água a seco”, solo de Laila Garin, “Parece Loucura, mas há Método”, experiência cênica da Armazém Companhia de Teatro e “Ex-Reality”, experimento artístico-social da ExCompanhia de Teatro. Mas, existem outros tantos que vi, gostei ou não, mas todos me valeram imensamente nessa trajetória de reconstrução e reencontro com as artes cênicas e performativas, que acontecem também no ambiente digital.

Diante dessa descoberta e imersão no universo de costuras do teatro digital com outras linguagens, principalmente em relação ao audiovisual, pude imaginar percursos mais despretensiosos para as minhas alunas e para mim. A partir daí, surgiu uma dramaturgia/roteiro, que foi trabalhada ao longo dos meses, resultando em um filme experimental e, dadas as circunstâncias, de caráter bastante caseiro e artesanal. Atualmente, esse filme (“six.com”), uma história sobre influenciadoras digitais, redes sociais e pensamento crítico, já foi enviado para as alunas assistirem na segurança de suas casas (não pudemos fazer o evento presencial que tanto queríamos). Mas o resultado foi recompensador: as famílias curtiram muito o resultado, e as alunas ficaram super orgulhosas de ver a obra audiovisual que reuniu tanto trabalho duro, de todo mundo envolvido.



Artes digitais (vinhetas) feitas pelas alunas no processo de criação do filme “six.com”

Com o apoio de três frentes-chave (Ana, minha chefe e colega de trabalho, Karen, a cineasta responsável pela edição/montagem e, claro, os familiares das alunas), conseguimos produzir algo que traz alegria e conforto para as crianças, em momentos tão sombrios.

E é justamente aqui, para mim, que faz sentido relembrar o terceiro significado da palavra remoto: aquilo está em relação com algo, por intermédio de outro. O mesmo ocorre com o teatro digital, que se coloca entre diversas linguagens, tangenciando-as, como o audiovisual, as artes digitais, a programação e muitas outras (quantas forem possíveis experimentar).

Ao mesmo tempo, o teatro, sendo uma arte tradicional e secular, necessita de veículos inteiramente novos para intermediar o contato com o público e com esse fazer artístico que surgiu com mais força na pandemia. Ainda sem respostas, mas com muitas perguntas, sigo experimentando e testando as possibilidades desse descontrole remoto.


 

Babita Faria é atriz, formada pelo Teatro Universitário da UFMG. Já atuou em peças teatrais amadoras e profissionais. Também é brincante, professora infantil bilíngue e arte-educadora. Foi sócia fundadora da Ciranda de Roda (empresa de recreação infantil em BH) e continua apaixonada pelo trabalho junto, com e para as infâncias.

Contato: (31) 98400-2848/ barbarasafaria@gmail.com / @brincababita


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