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Formandes TU 2020 - ERE | A coragem de formar em meio ao caos

Reportagem de Ludy Lins e Alex Teixeira




"Quem estará nas trincheiras ao teu lado? ‐ E isso importa? ‐ Mais do que a própria guerra."



Máscara. Álcool em gel. Distanciamento social. Efervescências políticas. Desemprego. Ensino remoto emergencial. Vidas perdidas. Pandemia. Caos. Em torno de todo esse cenário conturbado, uma união on-line e corajosa se reforçou: a turma do terceiro ano do Teatro Universitário (2020) está formando!


No mês de abril, nós, do Produção e Memória, entrevistamos as alunas e os alunos que acabaram de concluir o ciclo de profissionalização em teatro no TU. Por meio de um diálogo bastante fluido, descontraído e muito sincero, nós conversamos sobre o tempo. Um tempo que atravessa e que se mistura em rotas do passado, do presente e do futuro. Conhecer os caminhos pretéritos que foram percorridos por cada aluno até aqui, estimular o olhar sobre si no presente e projetar o próprio futuro são aspectos fundamentais da história de todo sujeito. O que eles planejam para depois de formados no T.U? Como foi concluir o ciclo de formatura neste contexto caótico escancarado pela pandemia?


Imaginem-se na seguinte situação: você, finalmente, conseguiu conquistar sua vaga na escola de teatro que sempre sonhou em estudar. Sua ansiedade e sua emoção estão a mil. Você começa a vivenciar as experiências na escola e, logo no primeiro ano, sua turma se depara com uma greve dos caminhoneiros e encara uma corrida presidencial conturbada. Depois de tantas turbulências, que, em certa medida, se refletem na dinâmica do grupo, o seu segundo ano na escola parece ser mais tranquilo. Já caminhando para o seu terceiro e último ano na escola, suas expectativas para o processo de formatura começam a ficar ainda maiores: “nós vamos apresentar o nosso espetáculo”! Mas, todo o mundo é surpreendido por uma pandemia, cuja variação do vírus é desconhecida. Tudo mudou, mais uma vez. E tudo tem mudado, cada vez mais.


Em grande parte das entrevistas, os formandos nos relataram narrativas semelhantes, dizendo que aquela turma, seja pela dinâmica em sala, seja pelos eventos adversos e contextuais, sempre foi diferenciada, indo na contramão de tudo. Talvez, seja por isso [eles mesmo concluem] que a formatura também deveria ser realizada de uma forma diferente.

Percorrendo os corredores do T.U, é possível observar que o espetáculo de formatura desperta grandes sonhos; é um evento que os alunos planejam e aguardam desde o momento em que ingressam na escola. É o fechamento de um ciclo intenso de trabalho e de preparação artística. Quando as expectativas se chocam com uma realidade inesperada, o conflito, interno e externo, é inevitável. Como fechar esse ciclo em um momento tão marcante como o que estamos vivendo? De que maneira prosseguir? Durante as entrevistas, o que mais ouvimos foram frases como:


“Foi um processo muito difícil.”

“Para mim, foi muito doloroso.”

“Um processo muito solitário.”

“Foi muito desafiador. E isso nos exigiu coragem.”


Com tantas idas e vindas geradas pelo avanço da pandemia no Brasil, a escola optou por trabalhar a partir de projetos e eixos, oportunizando o desenvolvimento de processos criativos, que pudessem ser considerados experimentos cênicos.


Nesse processo de formatura com o terceiro ano, houve uma grande rede de apoio para que tudo funcionasse. As aulas foram em conjunto com vários professores, algo novo e desafiador não só para eles, mas também para os alunos. A turma pôde contar com o auxílio de alguns estagiários da escola como Clara Fadel, Ndpcon, Marina Barros e Gabriela Freitas. Também contaram com o apoio de profissionais da Escola de Belas Artes, como Eliezer Júnior e Ismael Soares e com importantes profissionais do teatro mineiro como Júlia Tizumba, Marcos Coleta, Kleber Bassa e Flor Barbosa.


A princípio, as filmagens de cada cena seriam no T.U, respeitando todos os protocolos de segurança, porém, com a chegada da onda roxa da covid-19 em Minas Gerais, os planos tiveram que ser alterados e as filmagens passaram a ser na casa de cada aluno.



Vamos conhecer um pouco do processo dessa turma? A seguir, selecionamos alguns trechos da entrevista que realizamos durante o mês de maio com os formandes. Na oportunidade, conversamos sobre a vida, o tempo e os desafios impostos pelo momento.


MISTURA: Vamos falar do presente agora. Quais foram os pontos de apoio nesse processo solitário que vocês vivenciaram? Como foi o processo de formatura? Como foi, para você, concluir essa etapa? Quais foram as dificuldades, os desafios, os encontros e trocas que você teve?



Akino: Eu considero essa cena muito sincera. O processo foi muito doloroso, como para todos os meus amigos, eu acredito. A formação no TU foi, de certa forma, dolorosa. Nossa turma teve vários processos rompidos nesses três anos. Antes de começar a pandemia, ficamos 2 semestres em pesquisa para um espetáculo que seria dirigido pelo professor Rogério e tivemos que romper isso depois de tanta investigação e processo. Eu não consigo descrever o tamanho da tristeza que senti quando descobri que não passaríamos pelo espetáculo presencial e apresentar para a cidade inteira. Foi muito triste e senti um enorme vazio. No entanto, fui entendendo que é um processo e todo mundo leva um tempo para assimilar as situações. Depois, fui entendendo a relação com a cura. Acredito que a arte e a cura andam juntas. Sempre andam juntas! Depois disso, percebi que todo grande obstáculo vem com aprendizado e eu entendi que essa turma, por ter passado por essa frustração tão grande, é uma turma muito especial. Foi um processo muito difícil, estar longe e ter que nutrir uma força é realmente difícil. Eu tive vários pontos de apoio nesse processo. Se não fosse minha mãe, minha irmã e minha filha, ele não teria acontecido. Eu precisei mobilizar minha família e tirar todo mundo da zona de conforto para fazer esse trabalho junto comigo. Eu não me cobrei para que o resultado fosse uma obra de arte, apenas decidi me sentir orgulhosa por, em meio a tantas frustrações e tantas questões problemáticas, entregar um resultado em que acredito e que eu vim buscar, além de saber que foi um passo muito importante para todo mundo que tentou e chegou até aqui. Acredito que, se o terceiro ano não tivesse feito nada, não tivesse entregado trabalho nenhum, o que seriam das outras gerações de alunos da escola? Esse momento vai alimentar as próximas gerações e fazer perceber que é possível também defender a escola como um local político, uma escola de teatro dentro de uma universidade é muito importante. É forte e também muito frágil. Essa formatura tem também o peso de resistência da arte. Temos que ter força para manter.


Rafael: O meu processo de formatura foi muito difícil. Mais difícil do que eu imaginava. Foi um processo muito solitário. Sozinho não porque não tive apoio dos professores, da escola ou dos meus colegas; mas sozinho porque, no fim das contas, eu tive que montar tudo e fazer tudo. Foi muito complicado, porque eu chorava todas as vezes que ia ter que gravar, ensaiar. Chorava muito. Por frustrações, pelo conteúdo da cena, que fala de um momento de enclausuramento (que, não necessariamente tem a ver com a pandemia, tem mais a ver com a problemática que existe no ator em exercer sua profissão). A cena tem mais a ver com isso. Então, eu ficava muito tocado e tive muita dificuldade de criar. Na época da gravação, eu contei com muita paciência da equipe técnica, eles me ajudaram bastante. Demorei bastante tempo para gravar tudo. Não acho que foi o ideal, mas foi fruto de muito esforço e dedicação. Foi fruto de um desejo muito grande, na verdade é isso que a cena fala também. Nessa cena, falo muito de esperança, de perseguir seus sonhos e eu canto isso numa voz rasgada, de lutar e não parar. Era como se eu estivesse o tempo todo falando isso pra mim também. Toda vez que eu fazia essa cena, eu chorava. Tinha toda a parte dolorida e difícil, mas também tinha a parte de reconhecer que eu estava perseguindo aquilo que tanto almejei durante esses três anos de TU. Meu ponto de apoio é difícil, porque é muito complicado fazer essas coisas em casa, porque o povo não entende, infelizmente. Eu ia ensaiar uma voz, sempre ouvia um “cala a boca” de um lado; ia afastar os móveis e sempre ouvia algo. Mas, de um certo modo, meus familiares tiveram muita paciência. Enfim, eles não têm culpa também. Um ponto de apoio importante foram minhas amigas: Gabriela Vieira, Malu Dimas e Sarah Vá. Elas me ajudaram muito, porque elas foram ponto de desabafo e é importante ter pessoas que confiem no seu trabalho e te orientem.



Lorena: Meu presente tá louco né, gente? Uma loucura só! Mas, com toda loucura, eu agradeço muito! Agradeço, porque tô conseguindo criar, seja escrevendo, fazendo cena, bolando vídeo ou tendo ideias malucas. O fato de a pandemia ter colocado todos dentro de casa trouxe, para mim, um tempo que eu não tinha antes da pandemia. Morar com meu companheiro me ajuda muito. O Fran é uma pessoa que tá do meu lado; ele também é artista, é palhaço. Então, nos ajudamos muito no sentido de fazer algo, mesmo com tudo isso acontecendo. No processo da cena do TU, fiquei muito animada em poder criar algo. Meu encontro com o Marcos Coleta foi o ponto chave para colocar a dramaturgia em texto e fechar a estrutura da cena. Para mim, isso foi ótimo, porque eu adoro fazer isso! Por exemplo, sempre que quero fazer uma cena, a primeira coisa que faço é escrever, nem que seja um pequeno roteiro com uma palavra de guia ou estrutura. Preciso de ter “essa coisa de papel”. Eu achei muito bom pensar na escrita e depois pensar na cena a partir dessa escrita. Confesso que, quando aconteceu o lockdown e não podíamos mais gravar no TU, desanimei um pouco, mas ao mesmo tempo é uma cena que queria muito fazer. Então, repensei os planos e organizei o espaço para fazer dar certo, mesmo que o espaço aqui na minha casa não fosse o que eu estava imaginando, porque já tinha feito uma imagem com o espaço do TU. Desapegar é todo um processo. Mas desapeguei e fiquei feliz com a escolha dos meus espaços internos aqui em casa. O Fran mais uma vez me ajudou a filmar, fazer trilha. Ele está sempre muito disponível.


Osmar: Eu achei esse último semestre particularmente difícil, não só por ser formatura, mas essa questão da pandemia já estava batendo muito forte em mim. Eu sou uma pessoa que gosta muito de ficar na minha zona de conforto e eu fui tentando fazer minhas cenas, meu texto e pensando em como levar tudo isso para a cena. Tive um momento de crise que cheguei pro [professor] Rogério e falei: Olha, não vou ficar. Estou trancando o TU e já vou avisando que se trancar, não sei se volto. Procurei uma psicóloga também, mas depois decidi voltar. Voltei porque queria formar com essas pessoas e não com outra turma. São as pessoas que gosto e queria ficar com elas até o final. Era o que valia mais. Quando decidi voltar, a turma toda apoiou. Acredito que meu maior apoio foram eles. Minha família também apoia, mas como eles trabalham o dia todo, não podiam me auxiliar sempre. Eu tive muito apoio quando decidi voltar e tive muito apoio quando decidi não apresentar. Isso foi muito interessante, não só do pessoal da minha sala, como dos professores também. Decidir não apresentar uma cena final é um respeito próprio e um respeito pelos próprios professores. Eles dispensaram muita coisa para nos ajudar a fazer essa formatura online, mas realmente não sinto culpa por não apresentar em um momento difícil como esse. Tem esse projeto de publicar as dramaturgias e é tranquilo pra mim. Só não fiz a cena mesmo, mas as outras coisas que fiz, gostei bastante. Apesar de eu ter achado esse semestre mais difícil, eu gostei bastante das práticas que fiz, por exemplo com a Maria Clara, Júlia Tizumba, Rogério, Tereza. São atenciosos demais, procuram a gente pra saber das coisas. Foi legal!



Nayra: Gente, meu presente… Ai! Meu Deus! [risos]. Meu processo foi bem parecido com o do Osmar, no sentido de que o foi o processo mais difícil que tive com o TU. Em todos os semestres que passamos juntos como turma, foi neste que percebi o tanto que a gente se amava. Porque nosso relacionamento como coletivo... já tínhamos assumido que era difícil ser coletivo. Mas, sempre que precisávamos de acolhimento, era só ir na turma que esse acolhimento aparecia. A gente pode não ser um coletivo que se interessa pelas mesmas linguagens no teatro, mas com relação à afetividade e ao cuidado com o outro, fomos aprendendo e isso foi muito importante. Em relação ao processo em si, tínhamos um trio. Eu, Thâmara e Jéssica. Tratamos o trabalho com carinho o tempo todo e, por fora, nossos amigos nos dando apoio, mas chegou um momento que eu senti muita “carada na porta”, não com relação aos professores, mas eram muitos detalhes que não tinham como passar por cima, por causa da pandemia. Não tinha como dar a volta nesses problemas e, por tratar nosso trabalho com o carinho que queríamos tratar, decidimos deixar isso para depois, porque nos dedicamos muito. Fizemos música, dramaturgia com o Coleta, choramos, rimos, viramos noites e foi uma coisa que não queríamos fazer de qualquer jeito. Então, realmente foi muita maturidade de nós três e com uma força muito grande entre nós que decidimos não apresentar, porque a cena é muito potente e forte para ser feita dessa forma. Então, chegou o momento de abrir mão de fazer naquele momento. Depois, as meninas animaram a fazer novamente, mas eu já não queria continuar. Aí, fui pra terapia, me sentindo muito culpada e eu tive que conversar com a psicóloga para tirar essa culpa de mim. Então, comecei a questionar até que ponto o teatro era um sonho do meu pai ou um sonho meu. Conversando com a Letícia, que é uma grande parceira, me liguei que meu negócio é criança, em especial criança neurotípica. Então, eu concluí que amo fazer teatro e não é só um sonho do meu pai. Quando estou no palco, eu sinto como se meu corpo estivesse em chamas, só que também amo crianças e quero entrar nesse universo. E depois de um limbo de culpa e ter “desistido” do processo do TU, cheguei à conclusão que esse é meu ponto de partida daqui pra frente.


Ricardo: Olha, foi um processo com todo significado de processo! Realmente foi um baque, porque entramos com a expectativa do palco, com amigos e desconhecidos te vendo, vendo você contar história no palco, com o calor do ao vivo e da plateia e aí começamos a entender que isso não ia existir. Foi uma frustração muito grande, foi difícil de lidar. Eu acabei transformando essa frustração para produzir algo que eu também gostava muito pela minha paixão pelo audiovisual e vi como uma oportunidade que, talvez, não teria em outro contexto. Então, fui me adaptando e fazendo ser bom. Aproveitar o processo é muito mais valioso, por mais difícil que ele seja. Então, eu decidi aproveitar da melhor forma possível, apesar do momento que vivemos. Ao longo do processo, fui me conscientizando no sentido de que eu teria oportunidade de fazer coisas que eu gostava muito, como escrever, fazer dramaturgia e ainda atuar no audiovisual e, de alguma forma, também dirigir. Esse trabalho teve muito essa peculiaridade: tínhamos as orientações de diversas áreas, mas tinha primeiro o nosso olhar, passava primeiro por nós, foi um processo com vários núcleos de produção. Assim, pude experimentar coisas que eu gostava muito. Eu acho que foi enriquecedor, mas não querendo romantizar o processo, porque foi árduo e não o que foi planejado inicialmente, mas tomou outros ares e formatos e, no meu caso, tomou outra paixão né? Eu voltei para uma paixão antiga que esse contexto acabou permitindo, apesar de não estar com todo mundo aqui, com as pessoas que eu convivi durante três anos, que criei uma relação, construindo um vínculo. Não estávamos juntos espacialmente, mas acho que cada um acabou desenvolvendo suas potencialidades naquele momento, naquele intensivo que tivemos conosco mesmo, com a obra, escrevendo, ensaiando, vendo figurino e luz. Acho que, no final das contas, foi tudo muito válido.



Bianca: Foi muito difícil! No início pensei em desistir, em trancar. Mas também não queria ficar empacada nesse processo e eu tive muita ajuda dos colegas da minha sala e foi muito importante e, porque mesmo distante cada um deu uma surtadinha em algum momento e sempre tinha um para dizer: “Ei! Também passei por isso”, “Foi difícil aqui também!”. A Jéssica filmou minha cena e foi muito importante ela estar comigo naquele momento, me deu um suporte muito grande. Depois, eu filmei a cena do Ricardo, com todos os devidos cuidados e foi muito importante, porque foram duas pessoas que eu estive desde o início. Eu entrei com a Jéssica, éramos muito coladas; Ricardo foi meu primeiro parceiro de trabalho no TU - no ‘Eu Confesso’ ele era minha dupla. Então, eu achei muito simbólico fechar esse ciclo. São questões muito sensíveis pra mim, porque no começo da pandemia eu fiquei bem mal, bem deprimida, mas depois eu dei um gás e foi isso! Quando esquentei o motor pra formar, aí foi! Nas descida eu ía na banguela… [brinca].O importante é que eu sempre focava e esse fechar de ciclo foi o que me guiou para abrir outras portas depois. E o doido é que fecha com esse audiovisual, né? Que é algo que eu não estava nem sonhando que fossemos viver e fazer a cena foi muito bom, o olhar da Jéssica comigo foi muito bom! Ao mesmo tempo, foi muito difícil, porque fiquei parada muito tempo e de repente eu estava de frente para um corpo que era um corpo completamente diferente do meu corpo de atuação. Foi um reconhecimento pra mim e nesse sentido a orientação foi ótima, até fora do horário. E foi desse jeito... mas assim, teve choro, teve riso, teve tudo! O processo de amadurecimento da turma foi aquilo, né? Mainha fala: “Se não cresce no amor, cresce na dor!” e aí crescemos na dor e o importante é crescer! Claro que preferimos crescer no amor, né? Mas assim, vamos crescer dessa forma. Porque foi vendo o que tinha que fazer, e aí fui fazendo. Aprendi muita coisa nova e me encantei com isso!


Bárbara: O processo em si foi meio que um carrossel de emoções. Foi como se eu tivesse numa montanha russa, oscilando com vários tipos de sentimentos. Foi difícil em determinados momentos, foi chato, foi exaustivo, foi bacana. Posso dizer que eu tive uma explosão mesmo de sentimentos a cada experiência, principalmente a partir do nosso primeiro retorno depois da pandemia. Falo difícil, porque tivemos que reaprender várias coisas e outras aprender do zero. Repensar o teatro diante dessa nova realidade, repensar como seria lidar com as disciplinas do curso, sem falar das nossas questões pessoais e o fato de fazer todas as coisas em um único ambiente… tudo foi bem complicado. Eu sonhava com a formatura e foi um balde de água fria ter que repensar isso tudo. Como ela seria online diante desse contexto, eu acabei criando novas expectativas, apesar do caos do primeiro semestre. Terminei esse primeiro semestre desanimada e insegura para a formatura. E o segundo semestre foi uma loucura! A primeira parte com as oficinas foi fenomenal e poderia ter sido assim desde o começo, no primeiro semestre. Eu senti que cresci muito por um lado. Quando temos desafios que temos que nos virar, querendo ou não, a criatividade surge, o desespero ajuda positivamente para construirmos algo e, por estar sozinha passando pelas oficinas, ver as coisas que eu consegui criar, apenas com as orientações, foi muito maravilhoso. Enquanto eu estava no início de cada encontro, com cada professor que ministrava a oficina, eu começava totalmente perdida, mas durante o processo e até o final consegui construir algo muito bacana, por mim mesma. Querendo ou não, esse momento foi para repensar como lidar com as adversidades, como elas chegam pra gente e o tratamento com o outro. A exaustão foi um dos motivos que decidi não seguir com o processo de entregar uma cena. Trabalhando, fazendo outro curso e tendo oscilação nesse percurso, eu consegui entender que era o momento de parar. O autoconhecimento é muito importante. Devemos estar bem conosco mesmo porque isso influencia na relação com o outro e eu só fiquei tranquila porque fiz o que consegui dar conta e em determinado momento não dá, senão transborda.


Thâmara: Então, o TU foi uma das coisas mais difíceis que já vivi. Sei que vão existir outras coisas igualmente complexas, mas por isso que hoje, ter conseguido concluir o curso, fico muito feliz comigo mesmo e muito orgulhosa. Respeito muito a trajetória dos que conseguiram entregar uma cena e dos que não conseguiram também e até pensando nesses que foram ficando pelo caminho e seguiram outros caminhos, tiveram outras trajetórias e optaram por fazer outras coisas na vida. Nossa sala, em especial, passou por momentos de muita turbulência, foi o processo artístico mais turbulento, complexo, difícil, choroso, triste e frustrante que já vivenciei na vida e isso me deixou uti esperta com algumas coisas. Acho que, por eu ter entrado na escola com uma expectativa maior que até eu mesma, maior que a escola, foi uma coisa muito desgastante. Tivemos que lidar com diversos planos que não se concretizaram e a formatura presencial veio como uma cereja do bolo, como uma outra situação que não se concretizou depois de muito tentar. Hoje estou tranquila com isso, mas no processo ali, quando fui entendendo que meu trio não teria uma cena final, fiquei muito triste. Foi extremamente difícil e eu falo por mim, mas sendo ‘tupetuda’ compartilho isso, porque ouvi de vários colegas. Nos sentimos muito sozinhos. Ter que sempre adaptar uma proposta que era concebida, no meio de um isolamento social, na pandemia, dentro de casa, sem um técnico presente para auxiliar foi difícil. Acredito que foi basicamente tirar leite de pedra, mas por outro lado, foi graças a essa experiência que tenho outro caminho para seguir dentro da arte. Hoje eu consigo reconhecer o quanto foi um lugar importante, mas foi um processo muito difícil de ser feito. Precisamos ser humanos o tempo inteiro, porque a arte é feita de humanidades.


Felipe: Fazer tudo isso online foi um desafio enorme, porque eu nunca pensei que um dia eu precisaria gravar algo para formar e de repente esse desafio é jogado na nossa mão e não ter nada antes como referência foi muito difícil. Estar em casa também foi muito difícil. Eu passei grande parte na casa dos meus pais em Cataguases e lá não é uma casa muito grande, então assim, eu fazia um barulho na sala, no quarto minha irmã estava no celular fazendo outra coisa e incomodava ela e também os vizinhos. Na minha cena tinha uma referência a Iemanjá e os vizinhos falavam: “Óh! Tá fazendo macumba dentro de casa!” Então, as coisas ficam muito próximas dentro de casa, tá aqui seu vizinho, tá ali sua vizinha , sua mãe. Então foi muito difícil. Muita coisa eu fiz falando no microfone para poder não fazer muito barulho. Então acredito que comprometeu um pouco o processo. E também essa coisa de gravar vídeo, aí na aula o professor vê, aí depois você faz sozinho novamente não funcionou para mim de forma nenhuma. Mas ao mesmo tempo, sinto que de alguma forma foi uma independência, na segunda vez que voltei para o TU, queria me tornar um artista capaz de fazer as coisas, capaz de pensar uma coisa e fazer e acho que nesse final acabou que se tornou isso, a gente idealizou e foi capaz de fazer cada um a sua forma, até onde deu, mas passamos por todo o processo e muito independente, os professores dando os toques, mas era muito o que você sentia, o que gostava, o que queria. Então no final, eu tenho muito orgulho disso, de ver que alguma coisa foi feita e ver que meus amigos também conseguiram. Eu acho que a turma teve vários percalços, mas eu sempre pensei que tínhamos coisas muito únicas e que isso ia fazer a gente se dar bem. Nos apoiamos e tentamos não abandonar ninguém e isso foi muito bonito.



Jéssica: Passou um filme na minha cabeça nesse momento e eu fui longe. Fiquei lembrando do processo dos “Fatos Consumados” e um dia o Rogério pediu para a gente escrever “Qual é o seu fato consumado de hoje?” e aí eu escrevi numa folha qualquer, dobrei e guardei. Pouco tempo atrás achei essa folha e eu tinha escrito que o meu fato consumado era a necessidade de estar em conjunto e aí veio a pandemia, a solidão. Foi um processo muito difícil. Doloroso e dolorido, mas ao mesmo tempo tem a questão da independência que o Felipe trás e mesmo assim, quando a gente foi percebendo que faríamos uma cena solo, eu busquei um grupo, eu, Thâmara e Nayra. Foi muito importante para mim estar com as meninas, porque eu sinto que esse processo online foi muito solitário para mim e se eu tivesse sozinha nisso, seria muito mais difícil do que foi. E foi muito gostoso estar com as meninas no sentido de parceria mesmo, de não me sentir travada de falar com elas vários assuntos, coisas que eu sentia em relação à turma, às pessoas e foi muito tranquila essa troca com as meninas. No final do processo, decidimos não entregar uma cena e foi mais uma questão difícil para entender que não dava pra finalizar a cena com as condições que tínhamos, mas foi um processo muito rico e principalmente a questão de construir tudo sozinha, pensar dramaturgia, porque isso não é meu, isso de escrever. Eu pego o texto aqui e vou pensar outras coisas. Tiveram lugares muito difíceis, muito desafiadores, mas é interessante saber que damos conta e temos que dar conta em algum momento. Eu passei grande parte desse processo muito sozinha, mas em algum momento eu comecei me apoiar em outras pessoas, o pessoal da turma, pessoas de fora também. Uma pessoa muito importante pra mim no processo foi o Tiago Agar, que me deu muita força em vários setores da minha vida.


Victor: Bom, minha cena não vai chegar ao público,

mas eu participei de todo o processo. Não vou mentir, é uma frustração enorme quando você fica sabendo que não vai poder ser presencial. Demorou muito para minha ficha cair, porque passamos por tanta coisa e parecia que a formatura era nossa única esperança. Vamos formar, vamos apresentar e tudo mais. É bem frustrante! Murilo Rubião me abriu muitas portas, porque vêm aquela coisa da imaginação, do universo do absurdo e eu fiquei mais animado e senti que algumas pessoas da turma ficaram também, parecia que tinha mais a ver com a gente. Em um dado momento nos deparamos com alguns problemas na escrita dele. É um autor que em muitos momentos do texto aparecem situações racistas, machistas, mas tivemos que segurar o B.O e tivemos uma discussão a respeito de como faríamos com isso, porque não dava para levar a representação do jeito que ela estava escrita e foi muito interessante a solução que as pessoas foram dando. Algumas cortaram, outras ressignificaram. Eu escolhi o 'Pirotécnico Zacarias' e ressignifiquei trazendo minhas referências, como por exemplo, o vogue, a festa. Trouxe referências de outro lugar, transgredindo o conto e me apropriando da narrativa dessa forma. Por um lado é muito bom ficar livre fazendo o que quero, mas liberdade demais também nos deixa um pouco desesperados. Era um processo que já estava muito solitário, então, às vezes essa liberdade toda dá uma sensação que precisava de uma direção, porque você faz dramaturgia, faz câmera, faz gravação. A gente começa a ficar muito preocupado de como vai ser e a questão de gravar ou não no TU, por causa da pandemia, trouxe uma instabilidade que deixou a gente flutuando em alguns momentos. Mas a liberdade no sentido criativo é muito boa, porque você vê o que a pessoa tem, o que ela trouxe até aqui, o que ficou pra ela do curso. Você consegue ver a pessoa contando uma história que ela quer contar de verdade e acho que o mais legal de tudo é isso. Nesse processo, especificamente, a turma me ajudou muito. Ver as pessoas fazendo, vê-las motivadas, dedicando o tempo para ajudar me inspirou demais. A turma sempre deu muito apoio uns aos outros e isso foi muito legal. Porque, às vezes, eu era muito pessimista, mas na turma tem pessoas muito otimistas e fomos encontrando equilíbrio.


Nanci: Primeiro é uma grande frustração. Nós não imaginávamos que a pandemia ia durar tanto tempo, as próprias aulas sem poder rolar no chão, sem encostar um no outro, sem olhar nos olhos. Fazer teatro assim, não é teatro. Aí quando veio o processo de formatura, eu li os 33 contos para achar algum, achei seis que mexeram mais comigo e desses seis, eu fiz opção pelo conto ‘A Cidade’. Sempre fui uma pessoa questionadora desde criança e isso mexeu muito comigo. Quando peguei esse conto, não queria contar o conto, mas falar da questão da sociedade silenciada e foi um desafio muito grande. Eu busquei apoio do Gercino Alves e ele me ajudou a criar. Eu precisava de um apoio, porque eu tenho dificuldade de fazer as coisas sozinhas, adoro fazer, mas sozinha tenho muita dificuldade. Eu criei a dramaturgia a partir do que aconteceu no conto e foi um exercício muito grande de criação para mim e para começar a ensaiar, eu precisava de um texto porque é muito difícil pirar sozinha. Eu busquei apoio com meu amigo Evandro, troquei ideias com meu sobrinho bailarino e ator que estava vindo da Alemanha e foi muito bom, mas percebi e decidi encarar que o processo seria realmente sozinha, que minha grande dificuldade sempre foi trabalhar sozinha e meu maior desafio foi esse, o que fazer sozinha. Até então, eu ia ensaiar em casa e gravar no TU, mas chegou o lockdown e tivemos que gravar em casa e pensei: ‘Tô ferrada!’ Ter que fazer tudo aqui dentro de casa. Eu já tinha imaginado tudo no espaço do TU e quando veio pra minha casa pensei: Como vou transformar tudo aqui, dentro do meu quarto? Nesse momento, Tereza foi fundamental e me orientou em como fazer em casa. Mas quero destacar que ter que fazer tudo isso sozinha e ter apoio de várias pessoas, foi muito importante. Para mim, foi muito significativo. Se não fosse a pandemia teriam sido outros processos e outros aprendizados, mas pra mim, no final das contas, foi muito produtivo. A satisfação de ver a cena é muito grande, de ver o que estou dizendo e por que estou dizendo.


Letícia: Esse processo foi um processo de mergulho para dentro e como todo processo de autoconhecimento, é muito doloroso. A gente começa a ter umas interpretações diferentes, começamos a ver as coisas de outras perspectivas e ver que algumas questões são muito intensas, temos que tratar com delicadeza, porque se for com muita sede ao pote, pode ser que tudo derrame e a gente acaba se afogando em meio a emoções e informações sobre nós mesmos. Foi um processo de autoconhecimento e de elaboração, de transformar as coisas em algo leve de ser feito. Por ser um processo solo, eu senti que eu tinha mais autonomia sobre a cena, sempre compartilhando meu desejo com os professores e recebendo as orientações que são muito adequadas, vendo de fora com as perspectivas e experiências que eles têm. Eu acho que fui bastante pretensiosa em alguns momentos e os professores foram me orientando, mas em um momento eu consegui ouvir as orientações e poder escolher o caminho que eu queria seguir e isso foi muito importante. Não senti, em nenhum momento, algum tipo de censura por parte dos orientadores, houve compreensão e respeito. Na minha cena eu uso boneco e a Mariana do grupo Pigmalião foi uma pessoa extremamente importante para que tudo acontecesse e eu fiquei super satisfeita com o que consegui no período de tempo que fiquei com o boneco e o que eu tive para pesquisar. Fiquei feliz com minha cena, mas é claro que no TU, gravando com equipe, com colegas, com pessoas me ajudando a manipular o boneco seria diferente, mas do jeito que deu eu to feliz e estou muito animada para ver como tudo ficou e mostrar pra todo mundo. Estou ansiosa!


Gracielle: A minha escolha sempre foi de fazer. Eu não sabia como ia ser, se ia dar conta, mas as oficinas ofertadas para gente foram fundamentais para essa escolha de fazer, para construir a cena. Não tinha como, eu aqui do nada, fazer. As oficinas deram uma direção para gente. Escrever é uma forma de concretizar, então o que eu trabalhava nas oficinas, se concretizava na escrita da dramaturgia. Na minha cena tem muito papel e tudo foi sendo criado em cada oficina, em cada dia de oficina. Tinha uma ideia tímida no início e as oficinas foram ajudando a formatar minha cena. Eu moro com meu marido e ele foi meu apoio, mas eu achei difícil demais gravar em casa, porque muda a rotina dele em relação ao trabalho, muda a casa. Aqui em casa virou um estúdio, né? Panos pretos nas cortinas, então virou um estúdio durante sete dias. Não teria como eu fazer sozinha. Tinha momentos que ele ia com a luz e a câmera atrás de mim, então esse apoio foi fundamental. Esse trabalho não teria sido concluído também sem uma força que eu não sei de onde tirei. Eu tive uma crise de ansiedade na época das escolhas das cenas e eu não sei de onde veio essa força, talvez da insistência mesmo de dar continuidade ao processo e se não fosse essa força, que eu não sei de onde veio, a paciência dos técnicos e das pessoas que lidaram com a gente, eu não teria conseguido. Eu nunca tinha colocado uma luz em um pedestal, então esse apoio dos técnicos com paciência e tempo para testar, foi fundamental para continuar. Essa coisa de fazer sozinha foi a maior dificuldade, porque quando estamos no coletivo, um dá força pro outro, mas sozinha é difícil. Faltou o coletivo! O bom foi a liberdade de criar, porque eu tive liberdade de escolher o que eu queria, foi um amadurecimento muito grande.



É importante frisar a coragem que a turma teve em escolher formar mesmo sendo virtualmente. Estamos vivendo um momento histórico no teatro e se jogar no escuro não é para todo mundo!


As cenas estarão, no canal do Teatro Universitário no Youtube (https://www.youtube.com/channel/UClNxjoW5bXFLmP8IznfphMw) Não perca!







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