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O CIRCO E O TU | TEXTO-ENTREVISTA¹ COM MARIA CLARA LEMOS

Atualizado: 15 de set. de 2021


Alexander Teixeira

Diego Balduino Vieira

Ludy Lins

Corda Clara


_ Clara, acorda! Ô Clara!

_ ah... não! a corda? Cadê?

_ Não, Clara, acorda!

_ah... a corda? Tá! a corda...

não posso esquecer...

Menina levada,

Tem medo de nada,

Menina da corda,

Menina do sonho que voa

pra lá e pra cá.

Não desiste à toa,

Não espera assentada,

Menina que faz acontecer.

Bota o pé na estrada,

marca o rumo e vai.

Que importam as escorregadas,

as mãos calejadas,

a pele arranhada?

O que vale é o querer.

O que a impulsiona é uma força,

É o desejo do Ser.

Baixinha que canta, que dança,

que chora, que briga, que ri,

que ensina, que aprende.

Baixinha que vive cada momento

e embarca, com o vento,

Nas asas do pensamento

Que vai... que vem

Vai, Baixinha, vai!..., mas... vem também!

_ Clara, ô Clara, acorda!

_ Heim? O que?

_ Oi, ah, é você?! A bênção, mãe,

que bom que você veio com as meninas!

_ Oi, filha, Deus te abençoe,

que bom que você acordou sorrindo.

(poema de minha mãe, Nazaré Lemos para minha estreia de Corda Clara na Escola Nacional de Circo/RJ. Em 11 de dezembro de 1999)



Detalhes Corda Clara Manuscrito - Acervo Pessoal

Inicialmente, gostaríamos que você, Maria Clara, se apresentasse pra gente, falando um pouquinho sobre você.


Maria Clara: Bem, eu sou Maria Clara, tenho 52 (quase 53) anos. Sou a caçula de uma família de oito, onde eu sempre pude brincar muito, brincava na rua. Eu era praticamente um pivete e acredito que isso me possibilitou traçar todo esse meu percurso com esse prazer pelas atividades corpóreas. Atualmente, eu sou professora dentro do Teatro Universitário da UFMG, em que minha linha principal de pesquisa é pela via do corpo, defendendo o circo como área de conhecimento.


Maria Clara (no ombro do) Estêvão, Andréa, Nazaré (mãe), Inácio, Paulo Jr, Paulo (pai). Casa da Rubi, 1975.

O que é o circo para você?


Maria Clara: Olha, o circo para mim é muito mágico! Ele é uma mistura de sonho de criança com realização. Uma mistura de risco, de desafio, de múltiplas culturas, de diversidade, de acolhimento, de espaço, de interação e de muito prazer. O prazer com o risco e o risco contando com o outro, nunca sozinho. Inclusive, eu sempre brinquei que a grafia do meu circo seria com um S, porque depois que você trocasse algumas letras ficaria risco – brinca ao se referir à ortografia e à sonoridade do início da palavra circo.


Em quais lugares você passou pela sua formação em relação ao circo e como era esse cenário circense no início de sua formação?


Num primeiro momento, eu tive contato com o circo na infância. Minha mãe me levava, meu pai me levava... mesmo com uma família tão numerosa, a gente ia. Eu não gostava do cheiro do circo quando tinha animais, embora eu gostasse de ver alguns números com animais naquela época. Além disso, eu não conseguia entender porque meu irmão, minha irmã e meu pai rachavam de rir dos palhaços. Eu não achava graça nenhuma nos palhaços. Agora, se eu fosse a um circo que não tivesse trapezista, eu não teria ido ao circo. E dali eu tive sempre um sonho, mas para mim ele era só um sonho de criança: eu queria ser trapezista, mas isso eu achei que, talvez, toda criança sonhasse. E, então, naquela época da minha infância, eu me lembro que o circo não era um local próximo da minha casa, a gente tinha que ir até o circo. Depois os circos meio que... assim… eles não apareceriam mais na minha vida. Quando eu me formei em Educação Física na UFMG, eu tive algumas oportunidades em ser monitora no Festival de Inverno da universidade. E, numa edição do Festival de Inverno (1990) em Belo Horizonte, eu estava no campo atrás do Centro Pedagógico e, no pátio do CP, tinha um arame esticado. Ali, acontecia uma oficina maravilhosa com muitas coisas de circo penduradas, além de uma placa escrito “não suba”. Eu imediatamente subi, andei no arame e ali eu fiquei todos os dias. Quando acabava a minha oficina, eu ficava olhando a outra oficina, [a de circo] porque eu fiquei completamente encantada. Eu falava: “nossa! Eu quero ter idade desses meninos para poder participar”. Então, ali o universo do circo realmente se abriu para mim. Pensei: gente, existe circo? É possível ensinar? Eu queria! Mas eu não podia mais voltar no tempo (nem tinha idade, porque era o Festival Jovem da UFMG). Então, foi ali o meu primeiro encontro, na minha vida adulta, com uma possibilidade de vivenciar um desejo que eu achava que seria só um sonho de criança. E foi a partir daí, desse contato com o Grupo Teatro Kabana, num Festival de Inverno da UFMG que conheci o Teatro Universitário. Nessa época, o Grupo Teatro Kabana, junto com a professora Myriam, sempre desenvolvia oficinas de circo – e eu fiz praticamente todas. Foi num desses cursos de extensão no TU que eu balancei pela primeira vez no trapézio e falei “É isso que eu quero para minha vida!” Depois disso, inclusive, em 1993, entrei para o T.U. como aluna e me formei em 1995. Com a minha formação na Educação Física, fui chamada também para ser monitora na oficina de circo do Festival de Inverno. Participei, então, de dois ou três festivais de inverno como monitora de circo. Ao longo do tempo, eu pude praticar a arte circense em outros aparelhos, que eu nunca tinha tido experiência na vida. Eu tentei o monociclo: nunca consegui, mas estava quase... a perna de pau, no primeiro dia em que eu subi em uma, sai andando; o trapézio... eu nunca mais deixei. O trapézio virou minha paixão - e eu, como sempre fui muito forte, as coisas não foram difíceis de fazer. O equilíbrio no arame também foi uma experiência legal; na corda bamba, nunca dei conta. Sempre achei que eu era um liquidificador ou uma britadeira - eu nunca consegui ficar um segundo em cima de uma corda bamba, só na vida né! [brinca]


Eu queria que você falasse um pouco mais sobre essa virada de chave no seu caminho para ser professora.


Olha, foi muito bacana esse meu encontro com o Grupo Teatro Kabana, porque não foi um encontro só de passagem. Foi o meu encontro como artista. Embora seja uma coisa muito pessoal, acho importante dizer que, durante um ano, eu namorei o Léo Ladeira (integrante do grupo). Para namorar um artista, eu tinha que acompanhar o artista nos fins de semana. Então, eu comecei a ser contrarregra dos espetáculos. E a partir dessa convivência com o Grupo Teatro Kabana eu aprendi inúmeras coisas, dentre elas, a generosidade.… é que Mauro e Nélida são meus mestres iniciáticos, eles sempre foram muito acolhedores comigo. O circo, a partir disso, se fez muito maior em minha trajetória. Então, o meu contato com o Grupo Teatro Kabana foi para além daquela experiência na oficina; eu pude acompanhá-los no momento em que o Grupo adquiriu o espaço da sede em Sabará/MG, a Estação de Arte Kabana. E ali me foi possibilitada essa imersão nesse mundo, tanto artístico, quanto circense. Eu sempre fui professora, nunca consegui deixar de ser professora. No TU eu desenvolvia as ideias artísticas e trabalhava como professora de Educação Física de manhã. Nas propostas das minhas aulas de Educação Física com as crianças, eu sempre trabalhei o tema “circo”. Trabalhei na creche da UFMG (na época com o nome Centro de Desenvolvimento da Criança, onde hoje em dia é a UMEI Henriqueta Lisboa), trabalhei no Centro Pedagógico, no Balão Vermelho… e eu sempre trazia o circo para dentro dessa minha história. E aí, quando me formei no T.U., eu falei: "pronto, agora eu quero ser só artista”. Só que, para ser ‘só’ artista, comecei a dar aula, porque eu não conseguia ser só artista sem dar aula. A diferença era que eu não dava aula só de Educação Física; eu dava aula de Teatro. Nas aulas de Teatro, dava aulas de Corpo; nas aulas de Corpo, eu dava aula de Circo. Então, eu tive como minha primeira profissão ser professora. Minha mãe é professora e eu acho que “nasci professora”, ali dentro da barriga dela. Acho que a vida inteira tive esse hábito, em que o corpo era o viés e depois veio o teatro e pela influência e acolhimento do Grupo Teatro Kabana o circo veio se apresentando para mim, para o meu fazer artístico, para o meu fazer teatral e para o meu fazer circense. No ano de 1997, quando eu estava voltando das aulas que eu dava no Circo de Todo Mundo, passando pela Praça da Estação, onde acontecia o FIT, em comemoração aos 100 anos da cidade de Belo Horizonte, eu vi uma coisa maravilhosa sendo montada: uma estrutura de mais de 20 metros de altura e os trapezistas voando. Eu nunca tinha visto algo assim, de tão perto, um trapézio voador. Um amigo meu estava produzindo o evento e eu falei: “Rico, pelo amor de Deus, eu preciso balançar nesse trapézio, pelo amor de Deus”. De francês eu sabia falar bonjour, ça va? (olá, tudo bem?), mas sabia falar a língua universal [brinca fazendo mímica]; eles [o grupo francês] responderam: “Volta aí mais tarde pra você balançar". E aí eu cheguei na escola, no Balão Vermelho, onde eu atuava como Recreacionista, para pagar o curso de Magistério que eu fazia. Naquela época, eu já estava formada em Educação Física, já tinha passado pelo T.U, mas sempre querendo estudar mais alguma coisa. Eu era muito inconformada com as crianças aprenderem a ler com corpo parado. Achava que eu, estudando o Magistério, iria conseguir criar uma metodologia para a criança aprender a escrever com o corpo em movimento. Não cheguei a esse ponto. Mas, enfim, lá no Balão Vermelho, eu estava trabalhando o circo com as crianças, chamava Projeto Circo Maluco. Nele, a gente falava da história do circo e era um envolvimento muito bacana com as crianças. Foi quando eu falei para uma das donas da escola: “Leninha, eu fui convidada para o ensaio do Les Arts Sauts (2) que é uma companhia francesa que tá aí no FIT..” e ela me respondeu: “Vai! Você não vai ter outra oportunidade”. Aí passei três dias, as três tardes de ensaio deles, eu balancei. Pela primeira vez na minha vida, eu balancei em um trapézio voador a 20 metros de altura. Todo mundo me falava, “Quando você balançar, você vai cair!”. Isso porque a gente tem que ficar com o cotovelo estendido e, geralmente, a gente não consegue manter os cotovelos estendidos quando sai da banquilha. E eu só lembrava que dizia a mim mesma: “Eu não vou deixar meu cotovelo dobrar, não vou” e não caí. Aí eles falavam comigo, “Quando eu falar ‘Up’, você solta a mão” e aí eles falavam, ‘up’ e eu…, tudo bem que eu não caí, mas eu também não consegui sair, porque não conseguia ter coragem de soltar minhas mãos de 20 metros de altura para cair numa rede. Mas, deu tudo certo… fui uma vez, duas vezes. Voltei no segundo dia, voltei no terceiro dia. O espetáculo, eu já tinha assistido tanto que filmei o espetáculo todo, pensando na minha cabeça “Um dia eu vou fazer isso tudo!”. Isso foi muito interessante, porque uma amiga estava comigo e eu falei que precisava ir atrás desse grupo. Me ofereci para ser estagiária deles. Eles falaram “Olha, nós somos um grupo profissional, mas você pode procurar o nosso mestre. Ele se chama Jean Palacy e mora na França”. Eu tenho até hoje o cartãozinho deles escrito o endereço deles e o nome da escola do Palacy. Falei para minha amiga "Nossa, eu queria tanto, mas estou tão velha” - eu tinha 28 anos. Ela falou “Você tá velha, porque você tá morando em Belo Horizonte. BH tem uma cabeça muito fechada. Vai para o Rio de Janeiro, procura a Alice Viveiros de Castro, ela é uma mulher fantástica, trabalha lá na Funarte procura ela, porque ela trabalha com circo e vai ser um encontro muito legal”.


Cartão com o endereço endereço do Les Arts Sauts.
Indicação do Les Arts Sauts sobre o nome da escola do mestre deles, Jean Palacy


Com isso, eu associei que eu há um ano atrás eu tinha ido no Festival de Inverno em Ouro Preto, em que a professora Omar e Alice estavam falando da Escola Nacional de Circo. Aí eu falei, “Nossa! Então é aquela pessoa que tava lá falando”. A Escola Nacional de Circo, pra mim, era uma coisa longe, nunca pensei isso, ir parar lá no Rio de Janeiro, o que eu ia fazer lá, e aí me veio tudo na cabeça, a professora Omar falando na palestra que “para entrar na Escola Nacional de Circo tem que ter até 22 anos, tem que fazer um teste de aptidão”. Eu já não tinha mais 22 anos de idade e ela falou “para as pessoas que já passaram da idade mas que já fazem algum trabalho no circo e querem fazer reciclagem, nós temos essa possibilidade”, aí as fichas foram caindo, eu falei assim, gente, vou fazer reciclagem no Rio. Então, fui lá procurar a tal da Alice, não conhecia a Alice, fui lá na Funarte na cara de pau. E disseram "Não, a Alice já se aposentou”, e eu falo, tá bom. Na hora que eu tô pegando o elevador, eu ouço uma voz assim: Alguém tá procurando Alice?” Aí eu falei que sim. Aí ela tava no andar de cima fazendo um projeto lá na Funarte e a gente conversou horrores. Eu me apresentei falando quem eu era, que eu era apaixonada por circo que eu tinha feito a Educação Física, ela falou “Você vai na Escola Nacional de Circo”. Eu tinha feito no Festival de Inverno em Ouro preto, uma oficina de circo com as meninas lá do Anônimo (3) , a Regina e a Angélica e ela (Alice) falou assim: "Fala que você fez uma aula com as meninas do Anônimo, você vai procurar a Maria Delisier Rethy”. E assim eu fiz, eu sou obediente né? Fui lá, me apresentei para Delisier, e ela: “Você conhece as meninas, você conhece a Alice? Então vem fazer o curso de reciclagem." Nada como ter 28 anos e pegar o ônibus na sexta-feira, às 11 horas da noite, chegar no Rio de Janeiro e ir direto para Escola Nacional de Circo! Passava até as 5h da tarde, treinando ia pra casa de uma amiga! No domingo eu pegava o ônibus pra BH e continuava trabalhando na segunda. Então, uma vez por mês eu fazia esse curso de reciclagem. E numa dessas idas à escola a professora Omar me chamou e me perguntou o que eu tava fazendo ali. Ao fim da conversa ela me pergunta: “O que você faz como profissão?”. Falei que era professora de Educação Física e ela falou: “Nós estamos precisando de profissional de Educação Física aqui na escola. Quando você pode começar a trabalhar com a gente? A gente tem condição de te dar um salário” (eu acho que um salário mínimo era R$ 400,00) e disse que eu poderia ficar na Casa Paschoal (4) que na verdade acolhia artistas em passagem, não era uma casa para residência fixa e eu me alimentaria na Escola Nacional de Circo. Nessa época eu morava com minha mãe e falei toda feliz: “Mãe tô mudando para o Rio. Eu vou lá, porque consegui um emprego”. Quando eu fui morar no Rio, fiquei 3 meses sem receber. E aí foi muito difícil... A Funarte é órgão do governo. Então, do que você recebe, os impostos já ficam retidos na fonte. Ou seja, dos três salários que eu iria receber, um ficou retido na fonte. Vi que isso não acontecia só comigo, que acontecia com todos os professores da Escola Nacional de Circo. E aí comecei a minha batalha. Assim como Mauro e Nélida foram meus receptores, preceptores iniciáticos, a Alice foi meu porto seguro no Rio de Janeiro. Foi quem me acolheu e me deu muita força. Foi pela Alice que conheci o Marcos Teixeira Campos que estava como coordenador na Funarte (de dança, depois de circo). Marcos teve uma trajetória muito bonita e importante na Funarte, na política cultural. Depois olha lá o edital Carequinha. Na conversa com Marcos, eu fui corajosamente falando sobre a situação que estávamos passando. Foi uma batalha, mas conseguimos regularizar o nosso salário, passando a receber mensalmente. Nisso, eu me inscrevi para uma pós-graduação na área de Educação Física na PUC-Minas em Belo Horizonte, em que trataria sobre o Circo e suas Metodologias de Ensino. Na mesma época, Alice me apresentou o edital da Bolsa Virtuose, que era um programa de formação artística e cultural subsidiado pelo Ministério da Cultura (MinC). Concorri em 1999 e propus pesquisar, por nove meses, O Circo e suas Metodologias de Ensino. Passei então a ser artista-pesquisadora ao invés de professora na Escola Nacional de Circo. A Escola Nacional de Circo tinha recebido um ofício da escola de Ofícios Chapitô de Portugal, procurando professores. A partir da minha bolsa de 9 meses, me ofereci para dar aulas lá na Chapitô por dois meses e me inscrevi para um curso de iniciação em trapézio voador com Jean Palacy! Então esse foi meu percurso: fiquei 6 meses na ENC, criamos, eu e Delisier, o Corda Clara e no ano de 2000, fiquei dois meses em Lisboa com os amigos Carla Dias e Ignasi Baldero (que foram meus alunos na Escola Nacional de Circo) trabalhando na Chapitô. Dei aulas, apresentei meu número Corda Clara no Cabaré Chapitô e depois fui para a França, em Paris. Alice sempre me ajudando, me lembra que minha bolsa estava vencendo e que eu tinha que ir atrás da prorrogação Eu entrei com a prorrogação, consegui e fiquei mais nove meses na França fazendo minha formação em trapézio voador.



Entrega do diploma. Jean Palacy e Maria Clara. Coupvray França 2000

Eu queria que você comentasse um pouco, Maria Clara, sobre o aprendizado dos artistas cênicos no próprio teatro. Eu queria que você comentasse um pouco da importância do circo na formação de artistas cênicos.


Maria Clara: Esse foi um ponto muito importante na minha história como professora. Foi um desafio entender o que foi dar aula de educação física para alunos circenses na Escola Nacional de Circo (RJ) e o que é dar aula de circo para atores em escolas de teatro. São metodologias muito diferenciadas. Eu vejo que dar aula para circenses, em que o nível técnico e o nível de habilidade corporal são uma premissa, o requisito que precisa estar em evidência é a habilidade técnica. Isso deve estar bem definido, para que, a partir da técnica, você tenha o aparelho como uma extensão do seu corpo. Ao mesmo tempo, a técnica do aparelho, aquela técnica específica, bem como o tempo dedicado ao condicionamento físico são, no meu entender, a base para o circense. Já para o ator, eu vejo que o circo traz inúmeras possibilidades, inclusive apresento isso na dissertação de mestrado, defendida em 2006. O que interessa é que o ator compreenda o seu corpo e as possibilidades trazidas pelo seu corpo a partir de uma experiência corporal fundamentada em técnicas circenses. Por exemplo, a partir da experiência do ator em um trapézio, no qual ele precisa ter toda uma força muscular e uma dedicação exclusiva, ele possa passar por ali e entender: “Olha, o meu corpo inverteu!”. Nesse caso, inverter a posição é pensar o seu estado de presença. É se questionar mesmo. O que é para você, que nunca passou de cabeça para baixo em um trapézio, falar um texto nesta posição? Onde está o apoio do seu diafragma? Você trabalha com princípios de consciência corporal que são importantes para a própria atuação do artista cênico. Eu acho que o circo, para a pessoa do teatro ou para a pessoa do performer, traz uma possibilidade de experiência que literalmente nos faz sair do chão, além das transições de tempo, giros, equilíbrios diferenciados, estado de presença. É uma coisa dinâmica, ou seja, trabalha a espontaneidade e o jogo, que demandam bastante atenção. Eu acredito que todas essas qualidades, que você vá desenvolver no sentido de um circense, com objetivo de alcançar uma alta performance cênica, são pilares fundamentais para o desenvolvimento de uma sensibilidade corpórea mais efetiva, além de oportunizar maior acesso à capacidade física particular de cada ator. E para os que nunca tiveram essa experiência, eu acredito que se o circo estiver inserido desde a pré escola como cultura de movimento, como base, talvez ele chegue ali, ele não precisa chegar como uma disciplina isolada do curso de Teatro, ele pode ser mais acessível. O que é a arte? É você pegar o que você é e possibilitar isso de uma forma poética. Eu fico falando isso pensando por exemplo no circo, quando eu me apresento, que eu fui uma criança, eu fui um pivete, aquilo ali era circo puro, ou seja, a infância, todo mundo tem essas características do movimento em si, depois a gente põe na caixinha e chama isso de circo, põe a pessoa extrovertida no teatro. Depois a gente põe as pessoas nessas caixinhas, mas na verdade a gente tá falando de coisas que elas são, da nossa natureza.



Em sua trajetória circense, também como professora, quais os pontos que você gostaria de destacar? Quais os pontos você gostaria de trazer à tona?


Maria Clara: Juntando tudo que conversamos até aqui, eu sou uma pessoa que tive a oportunidade de estudar. Estudei boa parte da minha vida, considerando ensino básico e superior, em escolas públicas. Então, eu acho muito interessante ter tido a oportunidade de estudar e de usar meu corpo como forma de expressão. Eu costumo brincar que eu entrei por uma porta da faculdade e vou sair por outra: eu entrei pela Educação Física, na Catalão (Av. Carlos Luz), e vou sair pela Antônio Carlos, no T.U. E por que eu falo isso? Porque foi na Universidade que eu tive acesso ao circo na vida adulta; foi nesse espaço em que conheci as pessoas que me levaram até o circo. Posteriormente, vejo-me no Teatro Universitário como atriz e, depois, junto a atriz com a circense, tornando-me uma artista circense e vou dar aula. Hoje em dia, sou pesquisadora (não que o artista não seja pesquisador, mas esse artista pesquisador dentro da instituição). Talvez uma coisa que tenha me marcado muito seja o acesso à educação (num país em que poucas pessoas têm essa oportunidade). Eu tenho um desejo muito grande: que a gente consiga, dentro da universidade, dar visibilidade às artes circenses; que a gente consiga ter cada vez mais pessoas para construir esse circo como suporte de base artística e cultural constituinte do ser humano. Como professora, eu me vejo com essa responsabilidade: divulgar, trazer, estimular essa perspectiva. Acredito que nós, que estamos inseridos nas áreas do fazer artístico, nesse campo mais humanizado, temos um caminho que não podemos deixar morrer. Eu acho que se conseguirmos ter mais porosidade e contagiar mais pessoas com a arte, com o desejo, eu acho que vai ser bom!





Corda Clara - Escola Nacional de Circo/RJ - 1999


 

1 Este é um texto que ilustra, resumidamente, uma entrevista realizada por meio da plataforma Zoom, com a artista e professora Maria ClaraLemos. A iniciativa e realização da entrevista é da equipe do Grupo de Estudos Circenses (GEC/TU SIEX 204207), coordenado pela professora Maria Clara e composto pelas estagiárias Marina Barros e Carolina Matoso. A transcrição das entrevistas e a elaboração textual sobre as conversas contaram com o trabalho dos colaboradores da equipe do Blog MISTURA. Todo o material foi disponibilizado previamente para a artista entrevistada, que aprovou o texto aqui publicado.

2 Les Arts Sauts - Les Arts Sauts é uma trupe de circo aéreo francês . A empresa foi fundada em 1993 por Stéphane Ricordel, Laurence de Magalhaes, Frank Michel e 3 ex-alunos do Centro Nacional de Artes Circo , Germain Guillemot, Fabrice Champion, Côme Doerflinger 1 .Incluiu cerca de vinte trapezistas e fez apresentações de 1994 a 2006. Foi dissolvido em 2007. disponivel em: https://fr.wikipedia.org/wiki/Les_Arts_Sauts. acessado em 06/09/2021.

3 Teatro de Anônimo - Grupo carioca fundado em 1986, dedica-se à pesquisa técnica e artística do Teatro Popular Circense. Rua das arcos, 24, Rio de Janeiro, RJ.

4 Casa Paschoal Carlos Magno acolhe o Teatro Duse, que foi inaugurado na casa do teatrólogo Paschoal Carlos Magno, em 1952. Desta casa, prestigiada dentro e fora do Brasil, foram lançados atores, diretores, cenógrafos, figurinistas, técnicos e autores. O único teatro-laboratório do Brasil, no entanto, foi fechado em 1957. Em 19 de dezembro de 2005 o Ministério da Cultura e a Funarte reabrem a Casa Funarte Paschoal Carlos Magno e o Teatro Funarte Duse. Disponível em: https://www.funarte.gov.br/espaco-cultural/casa-funarte-paschoal-carlos-magno-teatro-funarte-duse/. acessado em 06/09/2021.



 

Maria Clara é professora do Teatro Universitário TU / UFMG (@teatrouniversitario.ufmg) desde 2006, onde leciona disciplinas corporais circenses aliadas às suas pesquisas na área. É criadora do Grupo de Estudos Circenses (@estudocirco). Foi professora na Escola Nacional de Circo (@encviva ) e educadora social no Circo de Todo Mundo (@circodetodomundo) Suas formações estão sempre associadas ao fazer artístico / corporal: Mestrado (2006); Método Rességuier (2011); Trapézio Voador Jean Palacy (2000); Técnico em Teatro (1995); Educação Física (1990). Segue pesquisando movimentos via Pilates, Gyrokinesis, Gyrotonic, Lian Gong em 18 terapias e outras práticas corporais chinesas.


Link da página no instagram do Grupo de Estudos Circenses:

Link para acesso à dissertação de mestrado da Professora Maria Clara Lemos: https://repositorio.ufmg.br/handle/1843/VPQZ-6ZFSWX




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