POR KAUÊ ROCHA
Duas alunas jogam “Pegue o Pano”, na Escola Estadual Amélia Passos, localizada em Santa Cruz de Minas (MG) - (Foto de Kauê Rocha)
Quando crianças, vivenciamos um período da vida em que somos autorizados a brincar da maneira mais pura e intensa possível, tendo a permissão de dedicar quase que integralmente nossos dias a isso. Parece quase óbvio dizer que a brincadeira diverte, fascina, anima, descarrega energias e catapulta os sentimentos mais gostosos possíveis. Ora bolas, então essa prática deveria ser realizada por todos os públicos, idades, épocas e povos!
É, então, que o freio se aciona e nos damos conta de que a permissão de poder brincar livremente sem medo de rótulos e de apontamentos se estanca e cessa. Chega a adolescência: período das mais infindáveis mudanças físico-psico-sociais, que causam reviravoltas em nossos modos de pensar, de agir, de conviver e de ser. A brincadeira não é mais permitida. No máximo, alguns esportes ou quaisquer atividades que não se assemelhem ao ato de brincar, já que isso é coisa de criança; algo que passou, ficou para trás. Amalgamado nessas teorias, o terror de ser associado à infância e o medo de ser visto praticando alguma atividade lúdica aparecem na mente dos adolescentes de maneira fantasmagórica.
Sobre esse embate entre o jovem e o brincar, o professor Eugênio Tadeu Pereira (2000, p. 42) nos traz um interessante ponto de vista:
Na criança, o brincar é transparente, não velado. No processo de adultização da pessoa, esse brincar vai sendo desvirtuado, tolhido por uma série de fatores, pois na medida em que o padrão cultural determina conceitualmente que brincar é uma característica específica da criança cronológica, toda e qualquer ação lúdica vivenciada é rapidamente dirigida ao período da infância e levada muitas vezes para o âmbito de uma certa irresponsabilidade e infantilidade.
Neste período, o adolescente vê em seu caminho diversas possibilidades que se abrem para se arriscar em descobertas, que podem lhe oferecer os mais variados caminhos. Um deles é o Teatro, seja como atividade dentro da escola, como uma aula extraclasse ou como um curso livre.
Dentro do Teatro, uma metodologia muito comum que se entrelaça ao brincar, provocando descargas de riso e que potencializa bons momentos de diversão, pode ocasionar uma sensível reaproximação do adolescente com tal prática: o jogo teatral entra no percurso de treinamento e dá o aval necessário para que o jovem se permita fazer coisas que a dureza das relações cotidianas, fora do espaço de cena, não permite.
Certa vez, após uma avaliação escrita do percurso das aulas de Teatro com alunos de uma cidadela do interior de Minas Gerais, me deparei com uma definição dessa arte que me afeta até hoje. Em caneta hidrográfica rosa-choque, uma aluna enunciou: “Teatro é brincadeira levada a sério!”. Aos cânones da historiografia teatral, todo o meu respeito, mas foi essa frase de seis palavras numa folha almaço amassada que conquistou a minha a admiração e a qual eu defendo fortemente.
No calor da prática, duas alunas adotam como estratégia tirar os sapatos, ficando descalças para facilitar na movimentação do jogo - (Foto de Kauê Rocha)
Quando pensamos em teoria teatral, a prática do jogo é analisada de inúmeras formas em diversas épocas. Se nos detemos nas outras áreas do conhecimento, o jogo se esgarça para ainda mais possibilidades, pontos de análise e referenciais teóricos. Sob o foco na palavra brincadeira, nela também vem uma carga de estudos, pesquisas, defesas e formatos. Aqui, nesta conversa, proponho que, por um instante, possamos considerar tais termos, jogo e brincadeira, como sinônimos, reconhecendo suas semelhanças e aproximações. Também não nos debruçaremos a ambos a partir de determinado foco teórico. Pensemos, então, nessas palavras concebidas como práticas em busca da aparição do fenômeno teatral e de seu necessário treinamento.
O que quero dizer neste texto é que me parece que o Teatro é uma grande via de acesso para os mais variados atravessamentos que despontam nesse recorte da vida, o que reforça a importância de sua chegada e permanência em espaços de ensino.
Levar o jogo para a escola enquanto metodologia de ensino que possibilite o aluno a se divertir ao passo que aprende as técnicas teatrais (e também outros conteúdos além dessa aula que se interessarem em seguir nessa metodologia) torna-se uma forma importante de mostrar ao jovem que o recorte da vida, o qual ele experiencia, pode ser leve, lúdico e extremamente divertido. A respeito do jogo na escola, a professora Carmela Soares estabelece uma potente defesa (2010, p. 70):
O ato de jogar na sala de aula estimula a disponibilidade sensorial e motora dos alunos, encoraja as descobertas, a possibilidade de cometer erros, correr riscos e assim desenvolve o potencial da experimentação criativa dos alunos tanto em relação à esfera do jogo teatral como na esfera da vida. No ensino do teatro na escola, trabalhamos em torno da capacidade de jogo do aluno, estimulando-o a se colocar no presente, disponível, imerso na situação imediata e ao mesmo tempo aberto e flexível a qualquer modificação sugerida no decorrer do jogo.
A aluna Maria do Pilar observa a preparação de sua turma para um jogo onde será a condutora - (Foto de Kauê Rocha)
Assim, fica o convite aos profissionais do Teatro-Educação que sigam explorando as potencialidades do jogo e esmiuçando cada vez mais os ricos detalhes que dele reverberam, colocando-o em contato frequente com alunos adolescentes e convidando esses jovens a permitirem-se, pelo menos por alguns minutos, a se entregarem ao sabor da brincadeira. Sabemos bem que os acontecimentos que ocorrem nessa época da vida ocasionam profundas marcas. Que possamos, então, deixar as melhores possíveis, com gosto de riso e diversão.
referências
PEREIRA, Eugênio Tadeu. Brincar na Adolescência: uma leitura do espaço escolar. 2000. 252 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2000.
SOARES, Carmela. Pedagogia do jogo teatral: uma poética do efêmero: o ensino do teatro na escola pública. São Paulo: Editora Hucitec, 2010.
Kauê Rocha é ator, professor e palhaço. Graduado em Licenciatura em Teatro pela Universidade Federal de São João del-Rei e Mestrando em Artes pela Universidade Federal de Minas Gerais. Pesquisa atualmente a tríade jogo-adolescente-escola, investigando as possibilidades de cada elemento vinculadas ao Teatro-Educação. Ministrou oficinas de jogo e palhaçaria em diversos festivais do interior do estado, como o FACE, em Conselheiro Lafaiete, o FOFOCARTE, em Barroso e o FAISCA, em Alfenas. Trabalhou como ator-brincante na Casa Torta, um dos centros culturais mais visitados de Minas Gerais, onde aprofundou sua investigação acerca da experiência do brincar em outras épocas da vida, não apenas na infância.
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