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Por THAÍS EDUARDA



Em meio ao caos interno e externo, em busca de um ponto que se possa equilibrar, em busca de uma forma de sustentação da minha arte e da arte doutrem; dentro do arquétipo criativa, viva no feminino, mulher, re‘existir’ no interior talvez seja o maior desafio. O sistema cultural vem se modificando ao longo dos anos. Entre melhoras e pioras políticas, nós estamos em construção nas vastas áreas do desenvolvimento sociocultural: os gritos abafados se inventam e se reinventam ao lutar pela existência e pela liberdade de todos os seres, principalmente daqueles que são considerados marginalizados pela sociedade.


Nasci em 1998, em Sete Lagoas, cidade do interior de Minas Gerais, a 75,9 km de Belo Horizonte. Com cerca de 208.847 mil habitantes, a cidade coronelista, onde o pensamento colonizador empodrece as nossas raízes, alimenta a sede de poder imersa pelos que o detêm, como no Brasil inteiro, dificultando a expansão de conhecimento e a liberdade de expressão. Eu nasci numa família humilde e com nenhuma ambição política ou cultural. Mas, ainda criança, o teatro atravessou minha vida: me tornei aluna em um projeto social (Serpaf), um dos locais responsáveis por fomentar pensamentos de vozes e de direitos nas regiões periféricas da cidade. Foi neste momento que eu, uma garota negra e periférica, tomei ciência das lutas diárias do movimento cultural da cidade. Aos poucos, com as aulas de teatro, fui entendendo alguns dos meus direitos, dos lugares em que eu podia e devia chegar, ir além das estatísticas. Fico me perguntando: a arte liberta?


Com convicção, respondo – liberta sim! Desse modo, comecei a minha caminhada dentro das aulas de teatro ministradas pelo professor Paulinho do boi, do qual tenho imensa gratidão, pois, por meio dele, eu e diversos colegas tivemos oportunidade de conhecer a fundo nossa comunidade. Nossas esquetes e peças teatrais abortavam temas como: abuso sexual, política, ética e valores culturais, vagas lembranças de como o teatro virou minha brincadeira divertida de criança.


Compreender a arte também educação é um ato de resistência, de oposição àquilo que vivemos atualmente em nosso governo. Trabalhos como esses objetivam compreender a importância da arte enquanto ferramenta didático-pedagógica, bem como de que modo ela ocorre na prática, dando oportunidade ao nascimento de artistas e companhias. Ter o conhecimento como principal norteador, ter a arte como ferramenta necessária é fundamental para a promoção de aprendizagens múltiplas, como forma de manifestação e de expressão de sentimentos, de modo a colaborar com a educação dos seres que vislumbram o significado da existência no mundo, por meio da expressão, dos sentimentos, do modo de agir e pensar, de transformar.


Em 2012, no CAIC (Centros de Atenção Integral à Criança e ao Adolescente - Escola Municipal Professor Caic Galvão), através das oficinas de teatro, pensando a arte como ferramenta citada a cima, o professor Alex Fabiano, junto aos alunos periféricos de outra região da cidade, consolidou mais uma companhia de teatro: Ovorini Carpintaria Cênica, na qual eu fui convidada a integrar. Hoje, a companhia tem como integrantes: Alisson Oliveira, Rafa Martins, Ranyemax Souza, Sarah Moreira, Julia Barbosa, Gabriel Cordeiro, Mileide Moura, Thiago Assumpção, Flavia Cruz, Erick Viana e Alex Fabiano.


Atuamos na busca de sobreviver como corpos livres e políticos, enquanto mulheres, trans, gays e homens. Nessa nossa trajetória/aventura no universo da arte, construímos nossa identidade de trabalho: o teatro de rua foi nossa válvula de escape. Se "todo artista tem de ir aonde o povo está", então fomos para a rua, em busca de um espaço público e democrático. Infelizmente, Sete Lagoas, como diversas cidades do interior, não tem um espaço adequado onde possa se fazer teatro com palco e com equipamentos tecnológicos. Fora as lutas diárias que o teatro enfrenta, a formação de público, a afirmação contínua de que é preciso o artista EXISTIR. Fizemos da rua o palco para o exercício do direito universal de ir e vir, de questionar e de afirmar.


Exercício Cênico A.B.A.N.D.O.N.O.S (2019) - Fotografias: Taína Evaristo


Aprendi com os colegas de estrada ;TROCA, talvez, uma das palavras e sentimentos mais importantes nessa trajetória. Trocar com outro, me dispor a aprender e a ensinar. A troca me acompanhou e me acompanha nessa caminhada. Me formei no Teatro Universitário (2019). Enquanto turma, vivenciamos a fundo essa palavra e... como foi profundo vivenciar a escola, as pessoas, a cidade de Belo Horizonte.


Entendi que a força da arte se constrói de dentro pra fora; conheci mais sobre representatividade e vi diversas mulheres artistas, autoras, produtoras, atrizes, mulheres pretas a frente de movimentos que, há algum tempo, eu acompanhava somente por homens (em sua maioria brancos). Estamos ocupando a cena contemporânea. A sociedade é limitada quando se sujeita à presença de gêneros em toda sua amplitude de significado. Enquanto mulher, ser questionada, enfrentar obstáculos diários e reforçar minha competência sem competir com demais mulheres são lutas árduas, opressões impostas por uma construção social ultrapassada. É preciso mais de nós, é preciso que o conhecimento vá além das capitais e da internet.


Em meio ao caos interno e externo, sigo, na tentativa de retirar margens para correr livre novas possibilidades estéticas, poéticas, discursivas, para transcendermos, desestabilizarmos as construções e os códigos patriarcais.

 

Thais Eduarda é atriz,palhaça e produtora, integrante do coletivo Ovorini Carpintaria Cênica,formada no curso técnico do Teatro Universitário da UFMG (2019).

Atualmente educadora na instituição SERPAF- Serviço de Promoção ao Menor e á Família.


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