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AOS QUE FICAM: é preciso seguir

Atualizado: 18 de jun. de 2020

Por JÉSSICA PIERINA


Algo se rompe brevemente. As ideias talvez sejam as mesmas. Ou não. Os desejos permanecem. Ou tomam outros rumos. Lembranças (...) O amor repetido três vezes. O batismo que se transforma em crisma. A despedida. Pulso. Descompassadamente. O olhar indeciso. Frenético. O que fica? O corpo sua. Esgoelar-se, quiçá seja a única opção no momento. Atrelar-se? Seguir. Uma ruptura. Há de crer que, possivelmente, todo ser humano passa pelo fulcral “divisor de águas”. O Teatro Universitário foi o meu.


Escolher estar na universidade de sete às dez, cinco dias na semana – às vezes seis – por três anos foi, com certeza, desafiador. Gostaria de continuar esse texto dizendo que, se não fosse o meu amor pela arte, não estaria com meu diploma neste momento, mas é mentira.


O teatro é cruel. Só o amor não sustenta. É preciso ter coragem para adentrar em si mesma e compartilhar com o outro. A rotina é pesada e as técnicas, infindas. Você começa a entender que não dá para seguir só com uma visão: é preciso abrir o leque, enxergar as diversas vertentes e experienciá-las. É necessário conviver, ouvir, ser. É preciso estar em coletivo.

Foram inúmeras as vezes em que escutei a frase “Teatro não se faz só”. Dentre tudo que escolhi abstrair ou acrescentar durante minha trajetória pelo T.U, esta é, sem dúvidas, a afirmação mais coerente. Na matéria Expressão e Técnica Vocal V, por exemplo, minha turma deu continuidade a um trabalho dirigido pela professora Helena Mauro sobre a técnica de contação de histórias. O exercício consistia em cada aluno criar uma cena a partir de um conto escolhido no semestre anterior.


Optei por contar a história de uma das personagens do livro “Becos da Memória”, de Conceição Evaristo. Utilizei histórias das mulheres pretas da minha vida e de vivências pessoais que conversavam com a narrativa das personagens da obra para criar uma dramaturgia autoral. Durante o processo de escrita, tive comigo, além dessas mulheres, pessoas que me desafiaram construtivamente para dar vida ao texto. Nos ensaios, a presença dos colegas de turma, do monitor Gabriel Beltrão e da professora também contribuiu para o trabalho. Já em cena, a presença do Alisson Oliveira, que foi o operador de luz, modificou completamente a atmosfera da apresentação.


O que eu quero dizer é: eu não estava sozinha. Não se faz teatro sozinho. Nem mesmo num monólogo de quinze minutos. Há sempre um artista por detrás de outro artista. E quando tudo isso “acaba”? O que fica? Para onde seguir? Com quem seguir?



A ideia de ser só mais uma egressa assusta. A ideia de ser ‘só’ assusta. Afastar-se do local que tem participação ativa na formação artística é, para muitos, amedrontador. Não por gostarmos do que é cômodo – como pensam alguns em suas abstrações infundadas –, mas porque as relações criadas são o que, muitas vezes, impulsionam o fazer artístico. O Teatro Universitário é o meu divisor de águas, pois, lá, compreendi que estar junto, produzir junto, criar, recriar e, principalmente, compartilhar são fatores imprescindíveis para que “minha” arte aconteça.


Quantos grupos de teatro você conhece que tiveram sua formação em escolas técnicas? Muitos artistas da cena belorizontina, inclusive, passaram pelo Teatro Universitário e, hoje, formam companhias que movimentam cultura por várias cidades. É acompanhando essas pessoas – os egressos – que percebo, mais uma vez, a pluralidade do teatro e a ruptura como possibilidade de experienciar novos lugares, narrativas e até mesmo novas áreas.


 

Jéssica Pierina é da cidade de Ouro Branco e artista da cena de Belo Horizonte. Formou-se pela Escola de Teatro da PUC Minas, pelo curso técnico em teatro ofertado pelo Teatro Universitário da UFMG e, atualmente, é graduanda de licenciatura em Teatro pela UFMG.

A artista forma sua linguagem a partir de pesquisas nas áreas de: Teatros Negro, Arte e Educação e Musicalidades.

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